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Tema: O JOGO DO
MUNDO BARROCO
Texto base: A Dobra : Leibniz e o Barroco, de Gilles Deleuze
Capítulo 3 – Que é Barroco?
No jogo barroco há a afirmação do Acaso, do pensar a
presença do aparecimento, máscara atrás da qual ninguém se encontra, o atrás em
que nada há, o lugar das possibilidades. O Nada, mais que qualquer coisa, é
pensado no Barroco. Leibniz não acredita no vazio que lhe parece estar sempre
repleto de uma matéria redobrada. As dobras e redobras estão sempre cheias. Há
as dobras simples e as bainhas com nós e costuras. Drapeados com pontos de
apoio. No Barroco nada é estático , tudo o que sucede tem uma “razão
suficiente”. A Razão Humana foi desmoronada e morre de neurose. Anteriormente,
fora necessário o desmoronamento da Razão Teológica. É aí que o Barroco toma
posição.
A
Solução Barroca foi a criação de um
princípio oculto que respondesse com a perplexidade e a criação de novos
princípios reflexivos. Poderia um princípio ser inventado? O jogo em Leibniz é
a proliferação dos princípio, invenção dos princípios. Jogo de reflexão onde a
destreza substitui a velha sabedoria e a velha prudência. O Barroco é o
esplêndido momento em que alguma coisa se mantém ao invés do nada, em
que se responde à miséria do mundo com um excesso de princípios à espera de escolha.
A Casa Barroca tem dois andares. Há uma zona de inseparabilidade, de
dobradiça, de costura. O Barroco é transição, é uma tentativa de reconstruir
cindindo as diferenças. Ao confrontar o poder das dissonâncias ele descobre os
acordes e os acordes extraordinários. Wölfflin diz que é justamente o contraste
entre a exacerbada linguagem da fachada e a serena paz interior o que constitui
os poderosos efeitos do Barroco sobre nós. Há um modo de correspondência
totalmente novo do qual não tinham idéia as arquiteturas pré-barrocas. Uma
relação necessária. A fachada barroca pode ter portas e janelas e está cheia de
buracos , embora não haja vazio, dado que o buraco é o lugar de uma matéria
mais sutil. Portas e janelas da matéria abrem-se e ao mesmo tempo fecham-se tão
somente de fora e para o fora. É necessário sair do exterior e estabelecer uma unidade punctual interior. As
combinações do visível e legível constituem os emblemas ou as alegorias caras
ao Barroco que tende a se oferecer inteiramente ao olhar que o descobre de um
só ponto de vista como um cofre no qual repousa o absoluto. O que é
propriamente barroco é a distinção e repartição do mundo em apenas dois andares, andares separados pela dobra,
que repercute dos dois lados segundo um regime diferente. É a contribuição
barroca por excelência. O que torna
possível a harmonia é o fato de que as figuras barrocas respiram a inseparabilidade
do claro e do escuro, o apagamento dos contornos. No Barroco, o claro não pára
de mergulhar no escuro. Em Leibniz, há a tensão de uma fachada aberta e uma
interioridade fechada, sendo cada uma independente e regulada por uma estranha
correspondência pré-estabelecida. É uma tensão quase esquizofrênica.
Na Condenação Barroca o condenado não
estará eternamente condenado se sua alma deixar de odiar no presente.
Com isto a sua condenação cessa imediatamente, e a alma já é outra alma. O
condenado barroco é, apenas, “sempre condenável” mas é tão livre quanto os
bem-aventurados. O que os pode condenar é a sua estreiteza de espírito, sua
falta de amplitude. Os condenados são os que, no último instante, têem um pensamento de ódio a Deus. São os
homens da vingança e do ressentimento que revolvem todo dia e a cada instante,
os sofrimentos do passado como se eles
não pudessem acabar no presente. Leibniz nos diz que quando morremos
redobramo-nos infinitamente sobre nós mesmos, voltamos a ser uma alma sensitiva
até que a ressurreição dos corpos nos comunique um segredo e última elevação. O
que a alma faz, faz inteira. Cada alma é inteira em certo momento. Mas temos
ilusões sobre os nossos motivos. Devemos nos dobrar sobre estas ilusões que
alimentamos para percebermos a imobilidade
de morte que elas contém. A alma inteira emana a decisão livre, tanto mais
livre quanto mais identificada com o eu fundamental. A ação futura ou passada é
sem sentido pois a eternidade não consiste em avançar, nem em recuar, mas em
coincidir, num mesmo tempo, com todas as passagens que se sucedem.
A
exigência moral de ter um corpo é uma
inversão. O espírito é obsceno, o fundo do espírito é sombrio, o que exige um
corpo que nos pertença. Não há obscuro em nós por termos corpo, mas devemos ter
um corpo porque há este obscuro em nós. O corpo é zona de expressão clara e
distinta. Sua função é percorrer a zona clara, explorá-la, do nascimento à
morte. As nossas dobras são as nossas
semi-dores que nos proporcionam as grandes percepções. A alma fica como
que à espreita das pequenas percepções
que nutrem a percepção maior, consciente.
O Barroco é uma tensão, um movimento
infinito que engloba, reúne e diferencia. A Dobra do Barroco é uma visão que
relança dois termos cindidos. Segundo Leibniz, tudo é a mesma coisa em vários
graus de perfeição. No Barroco há a conciliação de dois mas não diretamente. É
uma nova harmonia mediada pela dobra
infinita que está no meio. O Barroco instaurou uma arte total ou uma
unidade das artes. Ele apresenta a possibilidade de se realizar na arte
seguinte. O mundo barroco é o mundo do cone. Este faz com que coexistam a mais
alta unidade interior e a mais larga unidade de extensão. Uma não é nada sem a
outra. As coisas se elevam rumo à perfeição. É difícil dizer nde começa o
sensível e o racional.
É muito importante observar que no mundo barroco a decadência começa
quando as partes se tornam inflexíveis.
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ESTÉTICA CONTEMPORÂNEA
«Característica da estética contemporânea parece-nos ser,
pelo contrário, a de esta não pretender ser ciência normativa, nem partir de
definições apriorísticas, de ter, em suma, renunciado a fundamentar as
possibilidades de uma actividade humana em presumíveis estruturas imutáveis do
ser e do espírito; de tentar uma fenomenologia concreta e compreensiva das
várias atitudes possíveis, das múltiplas inclinações dos gostos e dos
comportamentos pessoais, precisamente para encontrar justificação para uma
série de fenómenos que não podem ser definidos com uma fórmula imobilizante,
mas só através de um discurso geral que tenha em linha de conta um factor
fundamental: a experiência estética é feita de atitudes pessoais, de
contingências do gosto, da sucessão de estilos e critérios formativos; a
análise das intenções e a descrição das formas a que dão origem são então a
condição essencial para se chegar a conclusões gerais que descrevam as
possibilidades de uma experiência que não pode ser definida normativamente.»
Umberto Eco – A definição da arte. Lisboa: Edições 70, 2006,
p. 26
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