sexta-feira, 22 de novembro de 2013

INTERVENÇÃO NA ÁREA DA "ARQUEOLOGIA E SOCIEDADE"


AS CABECEIRAS DE SEPULTURA DO TURCIFAL

Há uns meses atrás, numa visita ao Turcifal, deparámos casualmente com um conjunto de 5 estelas funerárias incrustadas num muro do adro da Igreja.





O Turcifal é uma das mais antigas povoações do concelho de Torres Vedras, cujo topónimo é citado em documentos dos séc. XII e XIII ( TORRES VEDRAS, A VILA E O TERMO NOS FINAIS DA IDADE MÉDIA, Ana Maria Rodrigues, 1995). Possui uma imponente Igreja, classificada como Monumento de Interesse Público, reconstrução setecentista do templo medieval. Em seu redor, como era usual, situava-se o cemitério. Naturalmente, as estelas que ali encontrámos eram dessa necrópole.  
Tirámos algumas fotos e publicámos uma nota no blogue da Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras (1) em que considerávamos polémica a colocação daquelas cabeceiras de sepultura: «Estas estelas funerárias são um testemunho genuíno que vem do fundo dos séculos e nos traz a memória de quem ali viveu e foi sepultado. Ao contrário das peças de Museu, estas cabeceiras estavam in situ, e era aí que deveriam ser mantidas. Como memória e testemunho do passado.
O adro, que foi objecto de obras profundas terminadas em 2007 - como se lê na placa comemorativa - só teria a ganhar se nele tivesse sido preservado um lugar, talvez junto de uma das paredes da Igreja, em que estas cabeceiras fossem alinhadas, com um pequeno dístico a lembrar aos homens de hoje a existência dos antepassados. O que nos parece inaceitável é fazer delas objectos de decoração do muro do adro.»
Essa nota originou dois comentários que considerámos estimulantes para a abordagem da questão. Enquanto o primeiro expressava alguma surpresa pelo caso, o segundo punha questões pertinentes. Citamos:
 «No meu entender, não se trata de atentado nenhum. Trata-se, isso sim, de uma colocação correcta, tanto quanto foi possível realizar, ao tempo, das pedras que indicam as campas instaladas. Outro assunto é saber da sua verdadeira dimensão geográfica e da "importância relativa" dos sepultados nestas áreas. No decorrer dos séculos, é provável que tenham sido deslocadas do sítio exacto das sepulturas, é verdade, mas a sua função e proximidade continuam a testemunhar o culto medievo dos mortos. Além de que, no limite, esse facto, o da eventual deslocação, já fazer parte da História. Cordialmente. (Autor identificado)»
Esta ocorrência levou-nos a procurar mais informação, quer sobre os materiais arqueológicos quer sobre as obras do adro do Turcifal. Falámos com o Presidente da Junta, o Pároco, o autor do comentário (pessoa culta, com curso superior, como viemos a saber) e a Técnica Superior do “Museu Municipal Leonel Trindade de Torres Vedras”. Anotámos:
1.       A Junta de Freguesia actual promoveu as obras de 2007, com o apoio da Câmara Municipal, e nelas foram encontradas outas cabeceiras de sepultura, posteriormente depositadas no Museu Municipal. Porém, aquelas que estão no muro são provenientes de obras anteriores, realizadas em 1984. Quem ali as colocou terá pensado que essa seria a melhor forma de as preservar, mantendo-as visíveis. O Presidente da Junta, Filipe Santos, manifestou total abertura para debater o assunto e encontrar uma solução que venha a ser considerada mais correcta. Mas observou que qualquer alteração ao que está feito deve passar por uma informação detalhada à população pois esta mostra-se sempre ciosa das suas antiguidades.
2.       O Pároco, P. Paulo Antunes, deu-nos conhecimento de outras estelas, que se encontram numa arrecadação da Igreja. Também se declarou favorável a uma solução mais elaborada da questão.
3.       O autor do comentário (Sr. A.M.) mostrou-se receptivo à discussão sobre o assunto, que considerou pertinente. Aceitou a ideia de que a colocação no muro pode não ser a melhor mas há que a respeitar e uma possível alteração terá de ser bem pensada.
4.       A Técnica Superior do Museu, Drª Isabel de Luna, informou-nos que em 2005 participou no VIII Congresso Internacional de Estelas Funerárias, no qual apresentou, em coautoria com Guilherme Cardoso, uma comunicação intitulada “Novas cabeceiras de sepultura do concelho de Torres Vedras”. Nessa Comunicação, - publicada em O Arqueólogo Português, 3 (suplemento), 2006 (2) – faz-se referência à colecção existente no Museu Municipal de Torres Vedras, «(…)uma das maiores e melhores colecções de cabeceiras de sepultura do país, constituída por 101 exemplares que, juntamente com 11 estelas dispersas pelo concelho, foram inventariadas por José Beleza Moreira, em 1982.» (3) e são inventariadas mais 45 estelas funerárias, 23 das quais encontradas no Turcifal. Verifica-se, assim que esta aldeia é, de longe, aquela em que foram encontradas mais peças. Curiosamente, no inventário de Beleza Moreira não havia referências ao Turcifal.
5.       De referir ainda que nesse Congresso houve mais uma comunicação relativa a Torres Vedras em que foram descritas mais 16 estelas funerárias provenientes do Castelo daquela cidade.(4)

Destas notas julgamos ser lícito tirar algumas conclusões. A saber:
a)       Torres Vedras reúne um espólio de 162 estelas funerárias da ápoca medieval e início da época moderna. Da leitura dos textos referidos retira-se uma verificação: a maioria deste espólio está guardado, quer no Museu quer noutros locais  como sejam Igrejas e entidades particulares. Só uma pequena amostra se encontra exposta e dessa, só uma parte ínfima está nos locais de origem.
b)       Estas peças não pode ser integralmente expostas, quer devido ao seu precário estado de conservação quer ao reduzido interesse público, dado que são de tipologias repetidas. Mas não deixa de ser intrigante que o destino de tantas dezenas destes testemunhos arqueológicos seja o armazém do Museu ou a arrecadação de uma igreja.
c)        Impõe-se, por isso, a reconsideração sobre o destino a dar-lhes, sobretudo tendo em conta que actualmente há um maior interesse pelos vestígios históricos por parte das populações. Isso mesmo verificámos nas visitas que fizemos ao Turcifal.
d)       A exposição de uma parte destas peças deve ser acompanhada de uma acção permanente de informação e sensibilização para o tempo histórico, o que permitirá uma maior consciencialização das comunidades locais quanto ao seu passado e ao reforço dos seus laços de identidade
e)       Sendo o Turcifal a povoação concelhia que possui maior número de cabeceiras de sepultura, propomos que se estude uma forma de expor ao público as mais significativas e que essa exposição, montada na própria vila - num anexo da Igreja ou no adro -  seja acompanhada de informação fixa e volante para que possa desempenhar o papel pedagógico que lhe cabe. Para concretizar essa exposição propomos que se crie uma Comissão na qual estarão representadas as seguintes entidades: Junta de Freguesia, Paróquia, Associação do Património de Torres Vedras, Museu Municipal e um membro da população residente, convidado pela Junta de Freguesia e pelo Pároco.
A atividade de uma Associação de Defesa e Divulgação do Património faz-se muitas vezes através de acontecimentos aparentemente fortuitos como este que aqui relatámos. A partir deles é possível encontrar formas práticas de abordar a relação entre a arqueologia e a sociedade, uma questão sempre pertinente para quem trabalha nesta área pois nela se cruzam a consciência histórica, o gosto pela preservação do Património e a participação das populações na gestão dos seus bens culturais.
Torres Vedras, 18 de Novembro de 2013
Joaquim Moedas Duarte

NOTAS
(2)      LUNA, Isabel; CARDOSO, Guilherme – “Novas cabeceiras de sepultura medievais do concelho de Torres Vedras”, Actas do VIII Congresso Internacional de Estelas Funerárias, O Arqueólogo Português, Suplemento, 3, Lisboa, p. 423-477.
(3)      MOREIRA, José Beleza, Catálogo das cabeceiras de sepultura do concelho de Torres Vedras, Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, Torres Vedras, 1982, 67 p.
(4)      CUNHA, Carlos e AMARO, Clementino – “Castelo de Torres Vedras – cabeceiras de sepultura medievais (1984-2004), Actas do VIII Congresso Internacional de Estelas Funerárias, O Arqueólogo Português, Suplemento, 3, Lisboa, p. 253-265.