segunda-feira, 25 de novembro de 2013

PATRIMÓNIO INDUSTRIAL, MEMÓRIA DO TRABALHO PRODUTIVO





Uma ideia estimulante para a nossa reflexão é a que Françoise Choay propõe, ao denunciar o que classifica como a fetichização do património, expressa em duas formas contraditórias de o olhar: de um lado a perspectiva passadista e nostálgica, resistente à articulação integradora entre o antigo e o novo; do outro a visão progressista que reduz o património preservado a objecto de museu. (cf. CHOAY, Françoise, 2009).

A contradição radica na própria ambiguidade do conceito de Património que se alargou exponencialmente a todas as áreas da actividade humana. (cf. POULOT, Dominique, 2001). Daí a necessidade de reafirmar a abordagem histórico-sociológica que articule, simultaneamente, os valores do tempo longo (dimensão maior da História) e do tempo curto (vivências quotidianas), de modo a que o conceito de Património reassuma a dimensão de portador de consciência histórica e de memória das comunidades humanas.

IGREJA DOS CLÉRIGOS, NO PORTO

Quando penso no Barroco surge-me sempre a imagem da Igreja dos Clérigos, no Porto, com a sua torre.

É um verdadeiro monumento: ícone da cidade, é também a manifestação brilhante da maturidade artística de Nicolau Nasoni. Veja-se: a localização num sítio dominante, a originalíssima planta do templo, a dificílima arte de articular toda a panóplia de motivos decorativos na opulenta fachada, a capacidade de integrar a torre no edifício, dando-lhe simultaneamente um estatuto autónomo








O interior responde da mesma forma ao desafio da concepção: equilíbrio e elegância num espaço de fulgores decorativos.





O verdadeiro e genuíno espírito do barroco encarna naquela construção magnífica!





Ir ao Porto é entrar nos Clérigos e, eventualmente, subir lá acima, à varanda circular da torre, para sentir a respiração da cidade.

(Fotos da Internet)

ARTE TOTAL PARA UMA VISÃO GLOBAL DA VIDA






A expressão de Oliveira Martins que se refere ao reinado de D. João V como “entusiasmo
desvairado dessa ópera ao divino”, prefigura, avant la lettre, a perspectiva de análise que hoje
designamos por “arte total”. De facto, que outra manifestação artística tem um carácter tão global
como a ópera? Ela é um poderoso estimulante sensorial, através dos sons – canto e música -, e
das imagens – cenografia e salas de espectáculo. Porém, a metáfora do historiador oitocentista
tem um alcance mais vasto pois ela aplica-se à envolvente social que rodeou a corte do rei
magnânimo: verdadeira sociedade do espectáculo em que, desde o cerimonial das procissões aos
solenes Te Deum, da “montanha de pedra” de Mafra aos banquetes de inúmeros serviços, da
Capela de S. João Baptista de S. Roque às igrejas paroquiais de todo o país, tudo concorria para
produzir o efeito de manifestação do poder régio através do luxo e do espavento.

O BARROCO NÃO CABE NA CRONOLOGIA



Se é verdade que o conceito atravessa a História da Arte – a um período artístico de predomínio  de despojamento, de simplicidade de formas e de processos, sucede sempre outro de complexidade e decorativismo – então não é possível fixar balizas cronológicas em que caiba o conceito de barroco, ele é um fenómeno histórico-cultural recorrente. Será a isto que G. Deleuze se refere na abordagem filosófica ao conceito de barroco a partir da noção de “dobra” ou “prega”. (cf. “Barroco”, Dicionário de estética, dir. Gianni Carchia e Paolo D’Angelo, Ed. 70, Lisboa, 2003).
Contudo, a cultura ocidental considera que o conceito de barroco é operativamente necessário para o estudo da evolução da arquitectura e das artes decorativas a ela associadas – revestimentos, escultura, pintura - e é nessa perspectiva que se procuram pontos de referência cronológica. Em Portugal aponta-se o final do séc. XVII até à penúltima década do séc. XVIII.  Mas é uma operação difícil, sempre polémica, dado que não há simultaneidade de manifestações do barroco nem quanto aos lugares nem quanto aos tempos. Se algures surgiu mais cedo, noutro lado prolongou-se por mais tempo. Se aqui coexistiu com o maneirismo, ali  conviveu com o neoclassicismo. Seja qual for a baliza marcada, sempre se encontrarão excepções. Veja-se o caso da chamada “Encomenda prodigiosa” – a capela de S. João Baptista na Igreja de S. Roque, em que coexistem, em simbiose perfeita, a tendência decorativa barroca com o desenho neoclássico da estrutura.
De facto, o barroco parece sobrar sempre para fora de todas as linhas de demarcação…

EM TORNO DO BARROCO






BARROCO: O CONCEITO

Para o homem contemporâneo, é uma palavra carregada de ambiguidade, que pode ter valor de substantivo ou de adjectivo. O adjectivo com o significado de excessivo, opulento, ligado à ideia de quantidade, de sobreposição. O substantivo apontando para um estilo em que a forma se sobrepõe à função. Visualmente associa-se o conceito de barroco à variedade de formas, ao capricho artístico.
Estas acepções padecem de falta de rigor: ou porque não têm em conta os campos de aplicação (está-se a falar de arquitectura? De artes decorativas? De literatura? etc…) ou o tempo histórico em que se manifestam. Ignoram, igualmente, que não há um conceito de “puro barroco” e que na chamada época barroca sempre conviveram realidades diversas que se autocontaminavam e, assim, se enriqueciam.

CARTA AO MEU PAI QUE NÃO QUER QUE EU SEJA ARQUEÓLOGO


Olá pai

Separámo-nos ontem, amuados. Hoje, nem pensar falar contigo pois sei que te vais exaltar outra vez. Ainda tenho nos ouvidos a tua fúria: “Não contes comigo para te pagar um curso que te vai levar directamente para o desemprego! Não contes comigo!!”.
Acredito que queres o meu bem, tens sido um pai muito fixe, mas acho que ainda não aceitaste a ideia de que eu tenho 18 anos. Já tenho direito a votar, ok?
Então pensei em escrever-te uma carta. Se calhar vais estranhar. Acho que nunca te escrevi. Só bilhetes de recados. Espero que consigas ler com calma.
Porque é que eu quero ser arqueólogo? Ontem fizeste-me essa pergunta, a gozar, e disseste que eu me queria armar em Indiana Jones. Estás enganado, pai. Vou tentar explicar-te a minha ideia, pode ser que te consiga fazer mudar de opinião.

HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA PORTUGUESA


FIGURAS E ESPAÇOS MARCANTES
DA HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA PORTUGUESA
Breve síntese


Na impossibilidade de resumir exaustivamente a já longa e rica História da Arqueologia Portuguesa, optei por organizar os meus apontamentos em três capítulos: Figuras, Espaços Arqueológicos e Espaços Institucionais.

FIGURAS (Ressalta uma característica geral: são da área da Geologia)

Carlos Ribeiro: juntamente com Pereira da Costa e Nery Delgado, é uma das figuras marcantes da Segunda Comissão Geológica (1857). Principais trabalhos de prospecção e escavação: 1863, Concheiros de Muge; 1870: tese do Homem Terciário Português, a partir de estratos geológicos da região da Ota (Alenquer), num dos mais fecundos problemas científicos da nossa arqueologia, retomado por Nery Delgado e resolvido no séc. XX por Henri Breuil e Georges Zbyszewski; 1878: povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras); catalisador da realização em Lisboa do IX Congresso Internacional de Arq. e Antrop. Pré-Hist, em 1880.
Nery Delgado: Gruta da Casa da Moura (Óbidos,1865) e Gruta da Furninha (Peniche, 1880): é pioneiro nas práticas científicas do uso da quadrícula no espaço escavado, definição de níveis estratigráficos das jazidas e sistematização tipológica dos materiais.
Pereira da Costa: primeiros estudos do Neolítico em Portugal em “Descrição de alguns dolmens ou antas em Portugal” (1868).
Estácio da Veiga: o primeiro arqueólogo profissional em Portugal, deixa uma obra monumental em 4 vols: “Antiguidades Monumentais do Algarve”.
J. Leite de Vasconcelos: 1º Director do Museu Ethnológico Português (1893); promotor de recolha nacional de vestígios do homem antigo em Portugal; fundador da importante revista “O Archeólogo Portuguez”; autor do livro seminal “Religiões da Lusitânia”.
Mendes Correia: dinamizador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia; novas investigações nos Concheiros de Muge; lança a hipótese da vinda de populações do Norte de África para a P. Ibérica, que estariam na origem do Homo Faber Taganus.
Manuel Heleno: sucessor de L. de Vasconcelos no Museu Ethnológico; estudos do megalitismo português, de que provou a originalidade cultural; estabelecimento da sequência contínua do Paleolítico Superior; revista Ethnos; intenso labor arqueológico.
Abel Viana: colabora intensamente com Octávio da Veiga Ferreira; esforçado e auto-didacta, evidencia-se em múltiplos trabalhos de que se destacam os realizados em Ourique (necrópole de Atalaia e Castro da Srª da Cola).
G. Zbyszewski, (com H. Breuil em 1941 e 42): protagoniza o ressurgimento da Comissão Geológica de Portugal. Dá importante impulso ao estudo do Paleolítico e sua relação com a Geologia do Quaternário. Estudo das Praias Quaternárias da Estremadura portuguesa e terraços fluviais do médio e baixo Tejo.
O. Veiga Ferreira: um dos que mais marcou o séc. XX da arqueologia portuguesa. Notável labor em muitas áreas e épocas, destacam-se: estudos do Paleolítico Inferior e Médio; necrópoles megalíticas das Caldas de Monchique; os tholos do Baixo Alentejo, que explora, permitem-lhe sustentar internacionalmente a teoria da progressão de sul para norte dos prospectores e metalurgistas do cobre e estabelecer a autonomia conceptual da Idade do Cobre; prossegue a exploração dos Concheiros de Muge (de 1952 a 66). Primeiro doutorado num tema da Pré-História com o já clássico “La Culture du Vase Campaniforme au Portugal (Sorbonne, 1965).
Casal alemão Leisner (Vera e Georg): levantamentos geológicos e notáveis estudos do megalitismo português.
Fernando Almeida e Farinha dos Santos: docentes contemporâneos na década de 60 na Fac. Letras de Lisboa, privilegiaram o contacto directo com os sítios e os materiais arqueológicos. O primeiro, sucessor de M. Heleno no Museu de Belém, evidenciou o período visigótico; o segundo, regendo a disciplina inovadora da Pré-História, suscitou seguidores, além da notável investigação da Gruta do Escoural.

VALORES DURÁVEIS VS VALORES DE MERCADO



 Continuava eu de volta da questão dos “juízo de valor” ou “avaliação” (cf. WEBER, Max. “O sentido da «neutralidade axiológica» nas ciências sociológicas e económicas”, in: WEBER, Max, Sobre a teoria das ciências sociais, editorial Presença, Lisboa, 1974), conceitos necessários para a abordagem do trabalho do historiador – ou, no caso do ensaio referido, do professor de ciências sociais – quando me abeirei do texto de Vitor Serrão, “Mundo da arte globalizado e dimensões éticas”.
É um texto que aponta sem ambiguidades para a afirmação de valores duráveis, defendendo que a História da Arte pode e deve ser uma barreira contra a usura consumista que faz da obra de arte (OA) uma mercadoria transacionável como outra qualquer. Socorre-se de doutrinas que já vêm do Renascimento e que apontam para a Arte como instância de afirmação humanista e de promoção de valores transcendentes. Aplicada ao nosso tempo, esta perspectiva atribui ao Historiador-Crítico de Arte a capacidade para “analisar os porquês das estratégias comunicacionais que perduram com as obras de arte”, em linhas de investigação que devem escorar-se em princípios teóricos e metodológicos estruturados, numa aproximação aberta aos significados das OA, “numa postura ética irrepreensível”. (No texto são várias as insistências na ética comportamental de todos os agentes envolvidos nas questões da arte).
Há neste discurso um olhar crítico sobre o consumismo que também chegou ao mundo das artes, o qual deve ser contrariado pelos que estão envolvidos na História-Crítica da arte, no sentido da afirmação dos valores da cidadania. Invocando Walter Benjamin que propõe “novos modos de analisar a arte enquanto processo transformador” – a partir de conceitos como “aura” e “imagem dialética da OA” - , V. Serrão mostra como podemos entrever as múltiplas capacidades de análise que a História de Arte permite, ao mesmo tempo que afirma valores perduráveis que se sobrepõem às mutáveis circunstâncias do tempo histórico de curta duração.

O CIENTISTA SOCIAL E OS JUÍZOS DE VALOR



 Já depois de ter escrito o apontamento anterior, reli um texto que tinha aqui por casa, de Max Weber ( Três tipos de poder e outros escritos, Lisboa, ed. Tribuna da História, 2005, p.177) e encontrei uma formulação que me fez pensar. Textualmente:
"Quem pretender fazer história da arte, inclusive no sentido puramente empírico, deve possuir a capacidade de 'compreender ' (sic) a produção artística; mas tal habilidade é inconcebível sem a capacidade de juízo estético, isto é, sem a capacidade (sic) de apreciação."
E no parágrafo seguinte deixa a interrogação:
"(...) em que sentido se pode falar de 'progresso' (sic) na história da arte, fora (sic) de toda a apreciação estética?"
De facto... se eu reflectir no caso, terei de rever a noção de neutralidade que seria desejável no historiador de arte. Continuo a pensar que ela é desejável, mas dentro de que limites? Porque, de facto, há limites: o historiador está dentro da História dos homens, sendo ele um homem e não um marciano. Tem uma formação académica - ou outra... - e uma formatação ideológica que será tanto mais de ter em conta quanto dela não tenha consciência.
A escolha do campo de observação para o seu estudo já parte de um juízo de valor: vou estudar isto e não aquilo, porque... Então, a garantia de seriedade científica do seu estudo deve radicar na clareza com que explica a escolha/problema, no enunciado das metodologias adoptadas e na referência ao seu ponto de vista

CIENTISTA DE LABORATÓRIO OU CIENTISTA SOCIAL?




 Estou a aprender a lidar com a obra de arte (OA) como fonte para a História da Arte em particular e para a História em geral. Nesta aprendizagem devo abandonar o meu lugar de espectador/fruidor e assumir o de observador qualificado, munindo-me de procedimentos metodológicos apropriados para desocultar na obra em apreço todas as informações possíveis que me permitam resolver o problema que me levou à sua observação. 
Não me parece que o meu trabalho deva ser o de especialista técnico: dissecar uma pintura em todos os seus aspectos de produção; examinar um edifício com os  instrumentos de um construtor civil ou de um arquitecto; estudar uma escultura de madeira ou uma talha  com os olhos de um entalhador ou de um mestre escultor.
Como Historiador, ou zelador do Património, penso que devo procurar e utilizar todos os dados disponíveis que me ajudem a ler a OA em todos os seus pormenores, a começar pelos dados facultados por esses especialistas técnicos e constantes dos seus relatórios. 
Mas de mim, cientista social, pede-se muito mais: que saiba "ultrapassar o campo meramente formalista para abraçar outros caminhos de indagação" (cf. Metodologia do Trabalho Científico, Carla A. Gonçalves, UAb, 2012, p.82).
Esta especificidade do cientista social é que me permite um olhar crítico e racional sobre a OA, menos preocupado com  juízos de valor estético e mais centrado na compreensão das  potencialidades significativas da sua existência enquanto produto de uma época.

NÃO SEJAS CRENTE



Emblema 16 de Andrea Alciato. Ne credas. Edição de 1591, Leiden. Plantin.

Imagem na portada da Unidade Curricular METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO. Desde o início que ela me interroga e avisa: "Ne credas". Aquela mão com um olho tem o mesmo efeito que o olho que via pintado na proa de alguns barcos na Nazaré, era eu miúdo. Meu pai advertia-me: "É o olho de Deus, ele vê tudo o que fazemos. Os pescadores querem dizer a Deus que olhe por eles quando andam no mar..." E eu ficava temeroso , como Adão que quis furtar-se ao olhar de Deus,depois do pecado...Uma breve incursão pela net, em busca de Andreia Alciato, deu-me a chave: "Ne credas", isto é, não caias na crendice, não te deixes convencer facilmente, interroga, investiga. Não sejas presa fácil dos dogmas aparentes.Parece-me um conselho oportuno e pode ser adoptado como lema de conduta nesta actividade de estudante. Ver AQUI