AS CABECEIRAS DE SEPULTURA DO TURCIFAL
Há uns meses
atrás, numa visita ao Turcifal, deparámos casualmente com um conjunto de 5
estelas funerárias incrustadas num muro do adro da Igreja.
O Turcifal é uma das mais
antigas povoações do concelho de Torres Vedras, cujo topónimo é citado em
documentos dos séc. XII e XIII ( TORRES VEDRAS, A VILA E O TERMO NOS FINAIS DA
IDADE MÉDIA, Ana Maria Rodrigues, 1995). Possui uma imponente Igreja, classificada
como Monumento de Interesse Público, reconstrução setecentista do templo
medieval. Em seu redor, como era usual, situava-se o cemitério. Naturalmente,
as estelas que ali encontrámos eram dessa necrópole.
Tirámos algumas fotos e
publicámos uma nota no blogue da Associação para a Defesa e Divulgação do
Património Cultural de Torres Vedras (1) em que considerávamos polémica a colocação daquelas
cabeceiras de sepultura: «Estas estelas funerárias são um testemunho genuíno
que vem do fundo dos séculos e nos traz a memória de quem ali viveu e foi sepultado.
Ao contrário das peças de Museu, estas cabeceiras estavam in
situ, e era aí que deveriam ser
mantidas. Como memória e testemunho do passado.
O adro, que foi objecto
de obras profundas terminadas em 2007 - como se lê na placa comemorativa - só
teria a ganhar se nele tivesse sido preservado um lugar, talvez junto de uma
das paredes da Igreja, em que estas cabeceiras fossem alinhadas, com um pequeno
dístico a lembrar aos homens de hoje a existência dos antepassados. O que nos parece
inaceitável é fazer delas objectos de decoração do muro do adro.»
Essa nota originou dois
comentários que considerámos estimulantes para a abordagem da questão. Enquanto
o primeiro expressava alguma surpresa pelo caso, o segundo punha questões
pertinentes. Citamos:
«No meu entender, não se trata de atentado
nenhum. Trata-se, isso sim, de uma colocação correcta, tanto quanto foi
possível realizar, ao tempo, das pedras que indicam as campas instaladas. Outro assunto é saber da sua
verdadeira dimensão geográfica e da "importância relativa" dos
sepultados nestas áreas. No
decorrer dos séculos, é provável que tenham sido deslocadas do sítio exacto das
sepulturas, é verdade, mas a sua função e proximidade continuam a testemunhar o
culto medievo dos mortos. Além de que, no limite, esse facto, o da eventual
deslocação, já fazer parte da História. Cordialmente. (Autor identificado)»
Esta ocorrência
levou-nos a procurar mais informação, quer sobre os materiais arqueológicos
quer sobre as obras do adro do Turcifal. Falámos com o Presidente da Junta, o
Pároco, o autor do comentário (pessoa culta, com curso superior, como viemos a
saber) e a Técnica Superior do “Museu Municipal Leonel Trindade de Torres
Vedras”. Anotámos:
1.
A Junta de Freguesia actual promoveu as obras de
2007, com o apoio da Câmara Municipal, e nelas foram encontradas outas
cabeceiras de sepultura, posteriormente depositadas no Museu Municipal. Porém,
aquelas que estão no muro são provenientes de obras anteriores, realizadas em
1984. Quem ali as colocou terá pensado que essa seria a melhor forma de as
preservar, mantendo-as visíveis. O Presidente da Junta, Filipe Santos,
manifestou total abertura para debater o assunto e encontrar uma solução que venha
a ser considerada mais correcta. Mas observou que qualquer alteração ao que
está feito deve passar por uma informação detalhada à população pois esta
mostra-se sempre ciosa das suas antiguidades.
2.
O Pároco, P. Paulo Antunes, deu-nos conhecimento
de outras estelas, que se encontram numa arrecadação da Igreja. Também se
declarou favorável a uma solução mais elaborada da questão.
3.
O autor do comentário (Sr. A.M.) mostrou-se
receptivo à discussão sobre o assunto, que considerou pertinente. Aceitou a
ideia de que a colocação no muro pode não ser a melhor mas há que a respeitar e
uma possível alteração terá de ser bem pensada.
4.
A Técnica Superior do Museu, Drª Isabel de Luna, informou-nos
que em 2005 participou no VIII Congresso Internacional de Estelas Funerárias,
no qual apresentou, em coautoria com Guilherme Cardoso, uma comunicação
intitulada “Novas cabeceiras de sepultura do concelho de Torres Vedras”. Nessa
Comunicação, - publicada em O Arqueólogo
Português, 3 (suplemento), 2006 (2) – faz-se referência à colecção existente no
Museu Municipal de Torres Vedras, «(…)uma das maiores e melhores colecções de
cabeceiras de sepultura do país, constituída por 101 exemplares que, juntamente
com 11 estelas dispersas pelo concelho, foram inventariadas por José Beleza
Moreira, em 1982.» (3) e são inventariadas mais 45 estelas funerárias, 23 das quais encontradas
no Turcifal. Verifica-se, assim que esta aldeia é, de longe, aquela em que
foram encontradas mais peças. Curiosamente, no inventário de Beleza Moreira não
havia referências ao Turcifal.
5.
De referir ainda que nesse Congresso houve mais
uma comunicação relativa a Torres Vedras em que foram descritas mais 16 estelas
funerárias provenientes do Castelo daquela cidade.(4)
Destas notas
julgamos ser lícito tirar algumas conclusões. A saber:
a)
Torres Vedras reúne um espólio de 162 estelas
funerárias da ápoca medieval e início da época moderna. Da leitura dos textos
referidos retira-se uma verificação: a maioria deste espólio está guardado,
quer no Museu quer noutros locais como
sejam Igrejas e entidades particulares. Só uma pequena amostra se encontra
exposta e dessa, só uma parte ínfima está nos locais de origem.
b)
Estas peças não pode ser integralmente expostas,
quer devido ao seu precário estado de conservação quer ao reduzido interesse
público, dado que são de tipologias repetidas. Mas não deixa de ser intrigante
que o destino de tantas dezenas destes testemunhos arqueológicos seja o armazém
do Museu ou a arrecadação de uma igreja.
c)
Impõe-se, por isso, a reconsideração sobre o
destino a dar-lhes, sobretudo tendo em conta que actualmente há um maior
interesse pelos vestígios históricos por parte das populações. Isso mesmo
verificámos nas visitas que fizemos ao Turcifal.
d)
A exposição de uma parte destas peças deve ser
acompanhada de uma acção permanente de informação e sensibilização para o tempo
histórico, o que permitirá uma maior consciencialização das comunidades locais
quanto ao seu passado e ao reforço dos seus laços de identidade
e)
Sendo o Turcifal a povoação concelhia que possui
maior número de cabeceiras de sepultura, propomos que se estude uma forma de
expor ao público as mais significativas e que essa exposição, montada na
própria vila - num anexo da Igreja ou no adro - seja acompanhada de informação fixa e volante
para que possa desempenhar o papel pedagógico que lhe cabe. Para concretizar
essa exposição propomos que se crie uma Comissão na qual estarão representadas
as seguintes entidades: Junta de Freguesia, Paróquia, Associação do Património
de Torres Vedras, Museu Municipal e um membro da população residente, convidado
pela Junta de Freguesia e pelo Pároco.
A atividade de
uma Associação de Defesa e Divulgação do Património faz-se muitas vezes através
de acontecimentos aparentemente fortuitos como este que aqui relatámos. A
partir deles é possível encontrar formas práticas de abordar a relação entre a
arqueologia e a sociedade, uma questão sempre pertinente para quem trabalha
nesta área pois nela se cruzam a consciência histórica, o gosto pela
preservação do Património e a participação das populações na gestão dos seus
bens culturais.
Torres Vedras,
18 de Novembro de 2013
Joaquim Moedas
Duarte
NOTAS
(1) http://patrimoniodetorresvedras.blogspot.pt/2013/09/uma-solucao-muito-discutivel.html [ acedido em 18-XI-2013]
(2) LUNA, Isabel; CARDOSO, Guilherme – “Novas cabeceiras de
sepultura medievais do concelho de Torres Vedras”, Actas do VIII Congresso
Internacional de Estelas Funerárias, O
Arqueólogo Português, Suplemento, 3, Lisboa, p. 423-477.
(3) MOREIRA, José Beleza, Catálogo
das cabeceiras de sepultura do concelho de Torres Vedras, Associação para a
Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, Torres Vedras,
1982, 67 p.
(4) CUNHA, Carlos e AMARO, Clementino – “Castelo de Torres Vedras
– cabeceiras de sepultura medievais (1984-2004), Actas do VIII Congresso
Internacional de Estelas Funerárias, O
Arqueólogo Português, Suplemento, 3, Lisboa, p. 253-265.
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