São
objectivos deste trabalho: enumerar resumidamente as fases de investigação
arqueológica realizadas no Castro do Zambujal desde o seu achamento por Leonel
Trindade, em 1938; reflectir sobre as interpretações mais recentes acerca deste
tipo de povoado fortificado; evidenciar a necessidade de valorizar o Castro do
Zambujal como um arqueossítio de grande relevância histórico-cultural,
sugerindo algumas medidas práticas para a sua concretização.
1.
INVESTIGAÇÃO
Leonel Trindade (1903-1992)
e Castro do Zambujal são dois designativos que há muito andam juntos. Mais
concretamente: desde 1938. Apaixonado pela arqueologia desde que em 1928 lera o
Portugal Pré-histórico, de Leite de Vasconcelos
[1], Leonel
Trindade acostumou-se a sair para o campo, aos Domingos de manhã, com um
farnelinho num saco, em longos passeios a pé. Muita gente que sabia da sua
paixão informava-o do aparecimento de coisas antigas: pedras de raio, na
surriba de uma vinha; lage com letras, no cabouco de uma casa velha; uma moeda
muito antiga; pedras lascadas com aspecto estranho... E ele lá ia [2].
Foi assim que trouxe à luz do dia sítios arqueológicos como Rossio do Cabo,
Cabeço da Arruda ou Cova da Moura. Porém, o seu nome haveria de ficar ligado
para sempre à descoberta, em 1938, daquele que é o seu maior achado: o Castro
do Zambujal. Situado nos arredores da cidade de Torres Vedras, é um dos sítios
arqueológicos mais expressivos do chamado Calcolítico da Estremadura [3]–
juntamente com o de Leceia (Oeiras) e Vila Nova de S. Pedro (Azambuja).
Uma das primeiras
publicações de cariz científico sobre o Zambujal[4] dá
conta, com algum pormenor, dos passos iniciais para o conhecimento daquele
sítio arqueológico. Leonel Trindade não tinha formação académica mas era um autodidata
bastante culto e de reconhecido mérito, como o atesta a nomeação para Adjunto
do Dr. Ricardo Belo[5],
que só aceitou o cargo de Director do Museu Municipal com a condição de o ter a
seu lado. E a seu lado se manteve quando L. Trindade, que havia feito uma
primeira sondagem e escavação em 1944, o levou à convicção de que estava
perante um arqueossítio notável, do que deu conhecimento a Eugénio Jalhay,
padre jesuíta que há muito se dedicava ao estudo da pré-história da região de
Torres Vedras. Este viria a escrever na revista Brotéria, em 1946, a primeira notícia impressa que se conhece sobre
o Zambujal [6],
classificado como Monumento Nacional
ainda nesse ano. Nessa altura já o coronel Afonso do Paço tornara bem conhecido
o povoado fortificado de Vila Nova de S. Pedro. Esse arqueólogo juntar-se-á a L.
Trindade e a R.Belo, para as escavações do Zambujal em 1959 e 1960. R. Belo
viria a falecer um ano depois.
Em 1961 Vera Leisner,
arqueóloga alemã que já conhecia L. Trindade e o Zambujal, vem a Torres Vedras
com Hermanfrid Schubart, do Instituto Arqueológico Alemão de Madrid.
A realização de um
corte de sondagem impressiona Schubart pelo potencial estratigráfico observado.
E dá-se o passo decisivo para a internacionalização deste arqueossítio: L.
Trindade, ciente das limitações locais, convida o arqueólogo alemão para
continuar as escavações. Este aceita e procura a participação de Edward
Sangmeister que já havia estado em Vila Nova de S. Pedro e Los Millares
(Almeria, Espanha), o que lhe dava uma larga experiência no estudo dos povoados
calcolíticos de que o Zambujal era, como tudo fazia crer, um novo e
surpreendente exemplar[7].
Será esta dupla de arqueólogos, ligada ao Instituto Arqueológico Alemão, na
altura com uma delegação em Lisboa –fechada em 1999 – que marcará a afirmação
do Zambujal como um dos espaços emblemáticos do
chamado Calcolítico da Estremadura, através de seis campanhas de
escavações em 1964, 1966, 1968, 1970, 1972 e 1973, de que se foram publicando
relatórios e notícias.[8]
Desta primeira série de
campanhas resultaram milhares de peças arqueológicas de grande importância na
área da indústria lítica, cerâmica, osso, metal, carvão vegetal, entre outras,
a partir das quais foi possível obter datações por radiocarbono. Michael Kunst,
arqueólogo alemão responsável científico por este arqueossítio desde 1994, destaca
como principais resultados da investigação feita pelos seus antecessores “a
observação dum sistema de muralhas defensivas que foram várias vezes reparadas
e também alteradas em função de outros sistemas defensivos, segundo novas
ideias estratégicas”, que se traduziram em 5 fases de construção e 15 sub-fases[9] -
ou 16[10].
Foram detectadas três linhas de muralhas mas não foi possível averiguar se
definiriam ou não um espaço fechado, como em Vila Nova de S. Pedro. Tal só
viria a ser esclarecido em campanhas posteriores que vieram a realizar-se em
1994 e 1995[11],
prosseguidas em 1996, 1997 e 1998, nas quais se verificou que o Casal rural,
habitado desde a Idade Média havia sido construído sobre uma parte das muralhas
pré-históricas em que a primeira das três linhas de defesa delimitava um espaço
completamente circunscrito. A terceira linha de defesa situava-se um pouco
afastada do núcleo central definido pelas duas primeiras linhas de muralhas. A
hipótese de uma quarta linha de defesa já havia sido lançada em 1971, a qual
viria a ter uma primeira confirmação em 1995, reforçada nas campanhas de 2001,
2002 e 2004.[12]
Foi possível, assim,
reconstruir as diversas fases de evolução do povoado fortificado do Zambujal em
que, de um primeiro núcleo defensivo fechado se passou para novos muros,
construção de torres, uma barbacã, derrubes, novos muros e enchimentos até ao
alargamento do espaço que exigiu uma quarta linha defensiva.[13]
2.
INTERPRETAÇÃO
Dois aspectos se impõem
a quem chega ao Castro do Zambujal: a localização geográfica e a imponência das
muralhas. O local situa-se num esporão rochoso limitado a sul e oeste por uma
escarpa que permitia a defesa natural e a norte por um declive pouco acentuado.
As muralhas, constituídas por torres circulares e muros de ligação, estão
viradas para esse declive, naturalmente, pois era a parte mais exposta do
povoado. Uma observação mais atenta evidencia a complexidade da construção de
todo o aparato defensivo, de que as sucessivas campanhas de escavação mostraram
as razões: ao longo do tempo da sua existência – que vai de 2 800 a
1 700 a.C.[14]-
sucederam-se cinco fases de construção que correspondem a outras tantas
mudanças da estratégia defensiva, o que levou a sucessivas construções,
derrubes e novas construções, adossadas
ou não às anteriores. Ainda relacionada com a posição geográfica do
Castro verificou-se que, na época da sua ocupação, o mar estava muito perto,
como foi demonstrado por estudos geo-arqueológicos realizados no vale adjacente[15],
o que leva a crer que isso influenciou a escolha daquele sítio por parte dos
primitivos habitantes. Tratava-se, pois, de uma zona portuária.
Perante uma construção
com estas características, os primeiros investigadores interrogaram-se: «qual a
origem dos construtores das fortificações de que nos ocupamos? Qual a
identidade dos seus inimigos?»[16] -
interrogações que ainda hoje permanecem. As respostas deram origem a um vasto corpus interpretativo sobre este povoado
calcolítico – bem como do de Leceia e Vila Nova de S. Pedro, da mesma época e
com características semelhantes – que não cabe aqui desenvolver. Bastará
referir os estudos de J. L. Cardoso e de Susana O. Jorge que se debruçaram
demoradamente sobre as teses em confronto.
Correndo o risco de
reducionismo simplista, podemos resumi-las em dois campos opostos – a teoria
colonial[17]
também apodada de difusionismo[18] e
a teoria indegenista - entre os quais se perfilam outras opções matizadas ou
ecléticas, com mais ou menos pendor difusionista. No primeiro caso, os teóricos
defendem a chegada à Península de grupos de prospectores de cobre, vindos do
Próximo Oriente, mais avançados civilizacionalmente do que as populações locais
e que, para se defenderem destas, ergueram fortes muralhas. Esta foi a posição
inicial de Sangmeister e Schubart, os homens mais identificados com o Zambujal,
a qual veio depois a ser mitigada, possivelmente face aos argumentos da tese
contrária.[19]
Esta contrapõe que a explicação colonialista não é corroborada por achados
arqueológicos significativos: não há uma correlação forte entre a metalurgia do
cobre e os povoados fortificados do Calcolítico; e não se encontram nestes
arqueossítios “objectos de fabrico reconhecidamente exógeno”[20].
A tese indigenista evidencia, ainda, os traços de continuidade que vêm das
populações do Neolítico sem, todavia, descartar as influências exercidas pelos
contactos comerciais com populações vindas do Mediterrâneo Oriental, posição
que já fora a de Bosch-Gimpera .[21]
Os dados actuais, de
que fazem parte as investigações apoiadas em múltiplas abordagens
interdisciplinares – como o recurso à Antropologia do espaço, por exemplo[22] -
apontam para a consolidação das teses indigenistas, enriquecidas e aprofundadas
por perspectivas de análise inovadoras com recurso a conceitos operativos como
“revolução dos produtos secundários”,
“territorialização”, “inovação”, “interacção”, “dispositivos
comunicacionais”, etc – conceitos que exprimem a progressiva
complexificação e diversificação da vida sedentária por grupos humanos em que
se vão afirmando diferenças de estatuto social ligadas à especialização do
trabalho. [23]
Quanto à agressividade monumental
das estruturas pétreas, também se multiplicam as interpretações. A finalidade
defensiva é a mais difundida, com mais ou menos considerações sobre a
intensidade da conflitualidade bélica do período calcolítico.[24]
Contudo, outro tipo de leitura tem sido tentado, em que se menorizam as
interpretações funcionalistas e se adiantam outras de cariz espacial. Estes
povoados fortificados, mais do que estruturas aptas para a guerra, seriam
afirmações de poder e de domínio territorial, uma primeira manifestação do
carácter simbólico da arquitectura sobre o espaço ocupado por diversos grupos
humanos em competição pela sua posse, «dispositivos comunicacionais ao serviço
da territorialização e da identificação.»[25]
Apesar da abundância
dos artefactos exumados, tanto no Zambujal como em muitos outros sítios do
Calcolítico, identificados no concelho de Torres Vedras – perto de cinquenta -,
subsistem muitos espaços em branco no conhecimento destas comunidades. Porém, o
que delas ficou e chegou até nós exige uma atenção permanente que garanta o seu
estudo, preservação e valorização, para que tal conhecimento se aprofunde e
seja divulgado. A importância da preservação dos arqueossítios é hoje uma
evidência, confirmada pelos inúmeros documentos de carácter internacional que
sobre eles se debruçam, nomeadamente a Carta Internacional de 1990 e a Convenção
Europeia de 1992[26],
cuja leitura é alargada pela Convenção de Faro, de 2005.[27]
3.
VALORIZAÇÃO
O
povoado fortificado do Zambujal, pelas 14 campanhas de escavação realizadas
entre 1964 e 2004, nas quais
participaram arqueólogos de diversas nacionalidades, sob a coordenação do
Instituto Arqueológico Alemão, tornou-se um lugar emblemático da arqueologia
nacional e internacional. Michael Kunst, responsável, desde há trinta anos, pela
direcção científica dos trabalhos arqueológicos no Zambujal, refere que “esta
fortificação tem a vantagem de ter conservada uma zona ainda com quatro metros
de altura. Isto é único na Península Ibérica em locais desta qualidade
arqueológica. Há locais maiores em Espanha, mas não são tão bem preservados.”[28]
Contudo, a projecção pública deste local perdeu relevância. Se até aos anos 80
do século passado o Museu Municipal de Torres Vedras tinha uma importante
mostra do espólio do Zambujal, a partir da remodelação do Museu, transferido
para o edifício Convento da Graça, esse espólio foi recolhido e hoje o público
tem acesso apenas a duas vitrinas mal contextualizadas e sem expressão
museológica. Ainda recentemente, a Associação para a Defesa e Divulgação do
Património Cultural de Torres Vedras manifestou o seu desagrado pela situação
que considera pouco dignificante daquele Monumento Nacional.[29]
É certo que em relação
ao arqueossítio, foram dados passos significativos: em Junho de 2007 a Câmara Municipal
adquiriu por compra um terreno envolvente do Castro do Zambujal, com uma área
de cerca de 5 hectares. Segundo o sítio
daquela autarquia[30] “pretende-se
alargar a zona dos trabalhos de investigação arqueológica neste local,
garantindo-se a exploração do seu potencial, a este nível; e construir um
centro interpretativo, fazendo, deste espaço, um ponto de visita para os
munícipes.”[31]
O acesso viário foi alcatroado e há sinalização actualizada. Porém, as
estruturas arqueológicas não nos parecem devidamente acauteladas. A existência
de uma vigilante, moradora desde há muitos anos no Casal contíguo, pessoa já
bastante idosa, não garante segurança nem impede o acesso de quem lá quiser ir,
com a possibilidade de calcorrear todo o espaço arqueológico, andando por cima
dos muros e das torres, subindo e descendo por onde lhe aprouver. Uma vez por
ano é feita a desmatação, o que significa que na maior parte do tempo as
estruturas estão infestadas de ervas, o que dá a todo aquele complexo um certo
ar de abandono. Pelo que apurámos, há uma já longa história de procedimentos
preliminares e declarações de intenção quanto ao modo de valorizar o Castro do
Zambujal. Sem pretendermos ser exaustivos, recorde-se:
- Em 1991 o IPPC- Instituto Português do
Património Cultural - informa a Câmara Municipal que encara a possibilidade de
candidatar ao PRODIATEC um “Projecto de valorização do Castro do Zambujal”.[32]
De notar que este era uma segunda versão de um projecto anterior, de 1989.
- Em 1992, devido à impossibilidade
legal da candidatura anterior, a Câmara Municipal delibera ser ela a
apresentá-la, assim como encomendar o projecto de engenharia com base no estudo
prévio já elaborado pelo IPPC.[33]
- Em 1995 o IPPAR informa a C. Municipal
de que aprovou o «Projecto de Valorização do Castro do Zambujal – Torres
Vedras», elaborado pelo Arq. António E. Augusto. O vereador da Cultura, António
Carneiro, defende que, enquanto não vêm os apoios financeiros previstos, se
façam alguns arranjos exteriores no Castro.[34]
- Em Junho de 1995 o Arq. António E.
Augusto apresenta o seu Projecto ao 1º Seminário do Património da Região Oeste,
realizado no Bombarral. Nele se prevêem diversas intervenções como um parque
auto para ligeiros e autocarros e a reabilitação do “casal saloio”, dotando-o
de infra-estruturas necessárias à investigação, casa do guarda, apoio a
visitantes, etc. De salientar “um percurso pedonal aéreo, impedindo que haja contacto
directo com a construção milenária, elevando-se o visitante, fazendo este o seu
trajecto através de uma plataforma durável e antiderrapante.”[35]
- Em 1998, perante críticas de um
vereador da oposição que se referiu ao estado de abandono do Castro, o
responsável pelo pelouro da Cultura reconhece que se caiu num impasse devido à
não assunção de responsabilidades por parte do IPPAR.[36]
Presume-se que o anterior Projecto caiu no esquecimento.
- Em Setembro de 1999 foi assinado – e
homologado pelo Ministro da Cultura - um Protocolo entre o IPPAR e a Câmara M.
de T. Vedras, baseado num Programa-Base
para salvaguarda e valorização do Castro do Zambujal, elaborado em Agosto
de 1998 e que mereceu o apoio das partes contratantes. Nas oito cláusulas deste
importante documento previa-se: a criação de uma Comissão Técnica, com
elementos do IPPAR e da Câmara “aos quais se poderão agregar especialistas,
designadamente do Instituto Arqueológico Alemão”, a qual teria como objectivos
elaborar um Plano Director, garantir acções de salvaguarda e manutenção do
Sítio, propor uma estrutura gestora do Sítio e elaborar previsões orçamentais
de cinco anos.[37]
- Em Dezembro de 1999, como consequência
do Protocolo, a Comissão Técnica concluiu o PGI
/ Programa Global de Intervenção para o Castro do Zambujal, um documento
circunstanciado que previa um conjunto de acções de âmbito patrimonial tais
como um Programa Preliminar para o Centro
Interpretativo do Castro do Zambujal e um projecto de conservação e
restauro das estruturas arqueológicas.[38]
Recuperando a intenção de reabilitar o Casal Saloio, prevista no projecto do
Arq. António E. Augusto, o PGI lançava, pela primeira vez, a ideia da
construção de um edifício de raiz destinado a “Centro Interpretativo e de
Acolhimento”. Além disso, preconizava a construção “de uma plataforma superior,
situada a seguir à 3ª linha de muralhas (zona da antiga eira), onde terão lugar
a apreciação visual do conjunto do povoado fortificado e da paisagem
envolvente”.
Aqui chegados
interrogámo-nos sobre o estado actual da questão. O Chefe de Divisão de Museus,
Galerias e Bibliotecas da C.M.T.V., a quem fizemos a pergunta, esclareceu:
entre 2000 e 2006 não se concretizou nenhuma das acções previstas no PGI
“devido a indisponibilidade orçamental das entidades envolvidas”; em 2008 foi
constituída nova Comissão Técnica para desenvolver as acções previstas no PGI;
alterações orgânicas do IGESPAR impediram o funcionamento da Comissão, de que
resultou a necessidade de a refazer; isso feito, em 2010 a Comissão apresentou
um documento com diversas propostas; depois de mais algumas reuniões, o
processo parou devido à crise que inviabilizou o financiamento dos projectos
previstos para o Zambujal.
Há dias, em mais uma
visita que fizemos ao Castro do Zambujal, comprovámos a continuada inexistência de medidas de
valorização efectiva daquele espaço e recordámos
o Museu Municipal que, no tempo de Leonel Trindade, constituía um repositório
científico de prestígio nacional, em oposição total com o que se passa hoje, em
que as peças arqueológicas estão encaixotadas. O Museu era um complemento do
Castro e dessa característica se utilizavam os professores das escolas e os
visitantes mais interessados que não deixavam de visitar os dois espaços. Bem
sabemos que nas últimas décadas se alterou por completo o modo de montagem e
gestão museológica[39] e
o Museu de Torres Vedras exemplifica a mudança. Porém, com opções muito discutíveis
como a da desqualificação do espólio arqueológico, cuja invisibilidade, só
atenuada por ocasionais exposições temporárias, está em completo desacordo com
a sua importância.
Pelo que acima
expusemos, verificamos que tem havido da parte dos poderes tutelares – Estado
Central e Autarquia Local – acções tendentes à efectiva valorização do
Zambujal. Todavia, no que se refere à criação de condições qualitativamente
melhores para os visitantes, nunca se passou do papel. A conjuntura económica
actual ameaça que tais condições não serão criadas tão cedo. Quanto tempo
teremos de esperar ainda? Entretanto, por acção das intempéries e dos
visitantes, as estruturas pétreas vão-se degradando, resultado da falta “do
diálogo entre o que recebemos dos nossos antepassados, correspondente ao
Património material e imaterial, e o que criamos de novo, a contemporaneidade –
que nos insere na História, onde tudo se transforma.”[40]
Julgamos que se impõem
medidas urgentes e concretas de valorização do Castro do Zambujal. Se a falta
de recursos financeiros inviabiliza a execução dos complexos planos e projectos
já existentes, tal não significa que não se opte por medidas mais acessíveis e
de curto prazo.
Sem pretendermos
substituir-nos a quem de direito, mas assumindo as nossas responsabilidades de
cidadania – que a Lei de Bases do Património nos exige e reconhece -, deixamos
aqui algumas sugestões que nos parecem viáveis a curto prazo:
1. Consolidação
das estruturas pétreas do Castro do Zambujal. A direcção técnica do Instituto
Arqueológico Alemão, juntamente com os técnicos de Arqueologia do Município, são
garantia da qualidade dessa intervenção.
2. Colocação
de sinalização dissuasora de intromissão dos visitantes nas zonas mais frágeis
do monumento.
3. Montagem
de uma estrutura de madeira (pinho tratado) – como plataforma de observação –
que permita aos visitantes aperceberem-se da complexidade e características da
fortificação. (Imagens em anexo). Tal estrutura é, só por si, uma defesa activa
da integridade do monumento. Reconhecemos que a localização deste equipamento
pode ser considerada intrusiva. Porém, ela é a única que permite a observação
detalhada do pormenor mais significativo e emblemático do Zambujal – a barbacã
com as seteiras. Acresce que, sendo de madeira, ela é facilmente alterável; e,
por outro lado, ficará colocada numa zona que, já tendo sido escavada, foi de
novo coberta de terra, uma forma usual de preservação de espaços como este.
4. Criação,
no Museu Municipal, de uma exposição permanente do espólio arqueológico do
Castro do Zambujal, como natural complemento pedagógico e informativo do
monumento.
5. Organização
de visitas regulares ao Castro do Zambujal, devidamente divulgadas e
asseguradas por entidades habilitadas para o efeito, nomeadamente o Museu
Municipal e a Associação de Defesa do Património de Torres Vedras.
É tempo de concluir. A longa história de
investigação arqueológica do Castro do Zambujal, na qual estiveram envolvidos
tantos especialistas de diversas nacionalidades; a relevância histórico-científica
das estruturas pétreas desvendadas e do espólio exumado; e, finalmente, os avultados meios financeiros
dispendidos nesses trabalhos e nos projectos de valorização já elaborados, exigem
continuidade e perseverança de esforços. O Castro do Zambujal deve voltar a ser
prioritário na listagem de acções de defesa e preservação deste bem do
Património que não é só torriense mas nacional. Mas, se esta deve ser uma
preocupação do Estado e da Autarquia, a sociedade no seu todo não pode
alhear-se dela, como sublinha Olga Matos num texto oportuno: “A ideia de que a
sociedade se pode assumir como guardiã desse passado, enquanto dever, e a
urgência de uma conservação matérica, enquanto direito, conduz a um novo
conceito de conservação que tem por finalidade, mais que assegurar a
continuidade desses testemunhos, pô-los ao serviço da educação permanente dessa
mesma sociedade, inaugurando uma concepção activa de conservação.”[41]
É
nesta dupla perspectiva de direitos e deveres das sociedades contemporâneas
face ao passado comum que, em nossa opinião, se inscreve a necessidade de um
novo olhar sobre o Castro do Zambujal. Compete à comunidade humana de Torres
Vedras enfrentar essa necessidade. Do passado longínquo chegaram até nós os
sinais da vida humana que ali se desenrolou ao longo de milhares de anos e de
que as velhas torres são um testemunho perene.
Joaquim Moedas Duarte
......................................................................................
.
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[1] Cecília Travanca– Reconhecer Leonel Trindade. Cooperativa
de Comunicação e Cultura, Torres Vedras, 1999.p.39.
[2] Assim me foi
relatado pelo próprio Leonel Trindade que conheci em 1971, por indicação de
Fernando de Almeida, meu professor na Faculdade de Letras de Lisboa, para o
qual eu preparava o trabalho final de Seminário de Licenciatura sobre a
Pré-história do concelho de Torres Vedras.
[3] Sobre o conceito
de Calcolítico da Estremadura: João Luís Cardoso – Leceia 1983-1993 Escavações
do povoado fortificado pré-histórico. Estudos
Arqueológicos de Oeiras, nº especial. Câmara Municipal de Oeiras, Oeiras,
1994, p. 11; João Luís Cardoso - O
povoado de Leceia (Oeiras), sentinela do Tejo no terceiro milénio a. C..
Lisboa e Oeiras. Museu Nacional de Arqueologia e Câmara Municipal de Oeiras, 1997.
p. 11. Mapa na p. 15; Maria Miguel Lucas – O Calcolítico na região de Torres Vedras. Turres Veteras IV. Actas de
pré-história e história antiga local. Câmara Municipal de Torres Vedras e
Instituto de estudos regionais e municipalismo “Alexandre Herculano”, Torres
Vedras 2001.pp.33-65.
[4] Afonso do Paço [et
al] - Castro do Zambujal(Torres Vedras). Trabalhos até 1963. Boletim da Junta Distrital de Lisboa.
IIª série. Vol. 61-62. Lisboa, Junta Distrital de Lisboa, 1964,pp. 279-306.
[5] Isabel de Luna –
Ricardo Belo e a investigação
arqueológica [Em linha]: Histórias de
Torres Vedras. Publicado em 17-04-2012. [Consultado em 7 Janeiro 2014].
Disponível em http://historiasdetorresvedras.wordpress.com/2012/04/17/aurelio-ricardo-belo-e-a-investigacao-arqueologica/
[6] Eugénio Jalhay–
O monumento pré-histórico do Casal do Zambujal (Torres Vedras). Brotéria, vol. XLII, Fasc. IV, Lisboa,
1946. pp.387-398.
[7]
Michael Kunst – Muralhas e derrubes. Observações
sobre a fortificação calcolítica do Zambujal (Torres
Vedras) e suas consequências para
a interpretação estratigráfica. Um resumo. [Em linha] Recintos murados da Pré-história recente. Universidade do Porto.
Faculdade de Letras. Departamento de Ciências e Técnicas do património, Porto
2003,pp. 169-176.[consultado em 9 JAN 2014]. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7619.pdf
[8]
Agradecemos
à equipa técnica do Museu Municipal Leonel Trindade de Torres Vedras a
disponibilidade de nos facultar o acesso a dois dossiês com textos de diversa
proveniência cuja consulta seria muito demorada caso tivéssemos de a fazer em
bibliotecas especializadas, as únicas onde tais materiais se encontram.
[10] Michael Kunst –
Zambujal, a dinâmica da sequência construtiva. Actas do Colóquio Internacional Transformação e Mudança no Centro e Sul
de Portugal: o 4.º e o 3.º milénios a.n.e. Cascais, 4-7 Outubro 2005. pp.
131-153.
[11] Michael Kunst e Hans-Peter Uerpmann –
Zambujal (Torres Vedras, Lisboa): relatório das escavações de 1994 e 1995. Revista Portuguesa de Arqueologia, vol
5, nº 1, 2002.
[12] Michael Kunst
e Nina Lutz– Zambujal (Torres Vedras), investigações até 2007. Parte 1: sobre a
precisão da cronologia absoluta decorrente das investigações na quarta linha da
fortificação. Estudos Arqueológicos de
Oeiras, 18, Câmara Municipal de Oeiras, Oeiras, 2011.p. 428.
[14]
Gonçalo de
Carvalho Amaro – Continuidade e evolução nas cerâmicas calcolíticas da
Estremadura (Um estudo arqueométrico das cerâmicas do Zambujal). Estudos Arqueológicos de Oeiras, 18,
Oeiras, Câmara Municipal, 2010/2011. p.203. O autor refere-se à estratigrafia
do Zambujal, relacionada com as cinco fases de construção descritas por
Schubart e Sangmeister.
[15]
Michael Kunst e Hans-Peter Uerpmann– Zambujal
(Torres Vedras, Lisboa): relatório das escavações… p.68.
[16]João Luís Cardoso–
A baixa Estremadura dos finais do IV milénio A.C. até à chegada dos Romanos: um
ensaio de história regional. Estudos
Arqueológicos de Oeiras, 12. Câmara Municipal de Oeiras, Oeiras, 2004.p.115.
[17]Susana Oliveira Jorge
– Colónias, fortificações, lugares monumentalizados. Trajectória das concepções
sobre um tema do calcolítico peninsular. [Em linha] Porto: Universidade do
Porto, Revista da Faculdade de Letras,
História, II série, Vol. XI, 1994. p.448.
[19] João Luís Cardoso
– A baixa Estremadura…p.p. 115-116
[20]
João Luís Cardoso
– Génese, apogeu e declínio das fortificações calcolíticas da Extremadura.[Em
linha]Universidade de Salamanca. Revista
Zephyrus, 50, 1997.p.251.
[21] João Luís Cardoso – A baixa Estremadura…pp.
115-116
[22]Susana Oliveira Jorge–
Colónias, fortificações …p.485.
[23]
João Luís
Cardoso – Da aldeia à “cidade”: alguns exemplos da Pré-História portuguesa. Discursos. Língua, cultura e sociedade,
III série, nº 5. Universidade Aberta, Centro de Estudos Históricos
interdisciplinares, Lisboa, 2003. p.72
[24] Michael Kunst - A
guerra no calcolítico na Península Ibérica. Era-Arqueologia,
nº 2, 2000,
p.136.
[25] Susana Oliveira
Jorge – Colónias, fortificações…p.491.
[26]
Flávio Lopes
e Miguel Brito Correia – Património
arquitectónico e arqueológico. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. p.223 e
seg;p.235 e seg.
[27]
Resolução
da Assembleia da República nº 47/2008, Dº Rpª. Iª Série de 12 Setembro 2008,
disponível em: http://www.igespar.pt/media/uploads/cc/ConvencaodeFaro.pdf.
[28]
Citado no
site Pedra e Cobre, acedido em 21
Janeiro 2014, disponível em: http://arqueo.org/calcolitico/zambujal-1.html
[29] Cf. blogue desta Associação, acedido em 28
Dezembro 2013, disponível em:
http://patrimoniodetorresvedras.blogspot.pt/2011/11/visita-ao-castro-do-zambujal.html
[30]
Acedido em
21 de janeiro de 2014, disponível em:
http://www.cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/aquisicao-do-imovel-envolvente-ao-castro-do-zambujal/
[31]
Na
sequência desta aquisição, foi ampliada a área classificada, tal como consta do
Decreto nº 28/2012, de 20 de Novembro, Dº Repª Iª Série, nº 224.
[32]
Acta da
Câmara Municipal de Torres Vedras de 17 /07/1991
[33]
Acta da
C.M.T.V. de 29/04/1992.
[34]
Acta da
C.M.T.V. de 2/03/1995.
[35]
Fotocópias
das Actas do I Seminário do Património da Região Oeste in: Bibliografia Torriense, Colectânea de textos do Museu Municipal
Leonel Trindade de Torres Vedras, 2003.
[36] Acta da C.M.T.V.
de 29/12/1998.
[37] Fotocópia do
documento cedida pelos Serviços Administrativos da C.M.T.V. ao autor deste
trabalho.
[38] Fotocópia do
documento cedida pelos Serviços Administrativos da C.M.T.V. ao autor deste
trabalho.
[39]
AA VV - Iniciação à Museologia, coord. de
Beatriz Rocha-Trindade. Universidade Aberta, 1993. pp. 203 e seg.
[40]
Guilherme
de Oliveira Martins – Património, herança
e memória, a Cultura com Criação. 2ª ed. Lisboa: Gradiva, 2011. p.14.
[41] Olga Matos –
Valorização de sítios arqueológicos. [Em linha] Praxis Archaeologica, revista electrónica de teoria, metodologia e
política da arqueologia, 3, 2008, p.p.31-46. [Consultada em 13 Janeiro
2014]. p. 33. Disponível em: http://www.praxisarchaeologica.org/issues/PDF/2008_3146.pdf
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