sábado, 16 de agosto de 2014

CAMILLE PISSARRO – UM PINTOR IMPRESSIONISTA

Auto-retrato

O nome é caracteristicamente judeu: Jacob Abraham Camille Pissarro. O que nos levou ao seu estudo foi o facto curioso de ser descendente de judeus de Bragança, saídos de Portugal no século XVIII. Quem foi este homem que marcou a pintura europeia da segunda metade do século XIX?

Ente Junho e Setembro de 2005 o MoMA de Nova Iorque realizou uma exposição notável [1] em que se procurou evidenciar os laços artísticos que se estabeleceram entre Pissarro e Cézanne, um e outro figuras cimeiras do movimento que viria a ser conhecido por impressionismo. Postas em confronto, as telas denotavam uma orientação artística comum servida por sensibilidades naturalmente distintas. A contiguidade potenciava mutuamente a expressividade de cada uma. A verdade é que Cézanne, um pouco mais novo que Pissarro, se considerava seu discípulo e ambos percorreram juntos uma parte do seus próprios caminhos, quando procuravam impor uma nova forma de pintar: ao ar livre, com temas da vida quotidiana, procurando captar a luz na primeira impressão com que olhavam cada parcela do mundo exterior. Porfiavam em chegar a «uma composição de luz e não de coisas, dispensando uma repartição equilibrada das imagens sobre a tela e a representação do espaço em perspectiva.»[2]

Fixemo-nos em Pissarro.[3] Nascido em 1830, nas Antilhas, numa família francesa ligada ao comércio - pai: Abraham Frederic Gabriel Pissaro, descendente de judeus portugueses de Bragança; mãe: Rachel Manzano-Pomie -, cedo mostrou inclinação para a pintura, o que não agradou aos pais. Com 11 anos foi mandado para Paris para completar a educação escolar. De novo em casa, com 17 anos, esperava-o o comércio. No entanto a inclinação artística foi mais forte e teve a sorte de encontrar o pintor dinamarquês Melbye que o convidou a acompanhar numa viagem à Venezuela. Em 1854 está de novo em casa mas, pouco depois, com o apoio do pai que reconheceu a impossibilidade de o ver singrar nos negócios familiares, voltou a Paris onde frequenta cursos de arte com o apoio de Melbye. Inicialmente influenciado pelo paisagismo de feição realista de Corot, procura novos caminhos expressivos. Encontra-se com Monet, mais novo mas de educação burguesa semelhante e ambos experimentam as técnicas pictóricas que levarão à afirmação de uma nova e revolucionária forma de pintura, o impressionismo. As cores deixam de ser misturadas na paleta para aparecerem autónomas na tela. O que se representa já não é a reprodução fiel da natureza, sustentada pela linha rigorosa do desenho, mas o instante fugaz do olhar, impressionado pela tonalidade da luz. Esta, sempre mutante, requer a pincelada rápida que a capte na sua essência. Em vez do esforçado trabalho sobre o claro-escuro, tão explorado pelos tenebristas e realistas, uma afirmação desassombrada da subjectividade do olhar, aberto aos contrastes da natureza filtrados pela percepção do pintor[4].


O Oise junto de Pontoise

Depois de alguns insucessos, viu reconhecido o seu trabalho em anos posteriores, ao mesmo tempo que se deslocou para a zona rural de Pontoise, inspiradora da claridade luminosa das suas telas de que é exemplo brilhante “O Oise junto de Pontoise”. Casou em 1861 com Julie Vellay e deste casamento nascem oito filhos e as concomitantes dificuldades de sustento, agravadas pela guerra franco-prussiana que obrigam a família a fixar-se em Inglaterra. No regresso percebe que centenas de quadros que havia pintado e deixado em armazém tinham sido destruídos. Não se deixa abater pelo infortúnio e é nesta fase que trabalha com Cézanne, sempre em busca de novos temas e olhares. Encontra reconhecimento da parte de alguns patrocinadores que lhe compram as telas e garantem mercado, mas sempre na fronteira da sobrevivência. Viaja pela Europa e expõe em grupo com outros pintores que comungam da mesma determinação de afrontarem o que consideram uma arte destituída de vida e amortalhada em regras académicas e que se assumem, assim, como revolucionários contra a estética caduca. Por isso, a designação com que George Rivière, um crítico contemporâneo os define, em 1877: «Tratar um tema pelas suas tonalidades e não pelo próprio tema é o que distingue os impressionistas dos outros pintores»[5].

Uma característica de Camille Pissarro foi a sua abertura constante a novas experiências. Daí que tenha aderido, em fase adiantada da sua vida, ao chamado “pontilhismo”, tentativa de renovação de processos pictóricos baseados na decomposição da cor, e que teve em Seurat o seu maior representante. Contudo Pissarro regressa ao seu estilo inconfundível, caracterizado pelas paisagens luminosas e, já na fase final da sua vida, marcada por problemas de visão, à representação da vida urbana com suas ruas e gente do povo na sua labuta. Trabalhando a óleo, mas usando por vezes a aguarela e o pastel, Pissarro marcou a pintura do final de oitocentos pelo modo como captou a atmosfera de cada lugar através de um trabalho rigoroso com a luz, em centenas de telas que constituem um imenso e luminoso legado pictórico[6].
Morreu em 13 de Novembro de 1903 em Paris e repousa no mais célebre cemitério daquela cidade, o Pére Lachaise.

11 de Maio de 2014
Joaquim Moedas Duarte



[1] Pioneering Modern Painting: Cézanne and Pissarro 1865-1885, patente ao público entre 26 de Junho e 12 de Setembro, de 2005. Cf: http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2005/cezannepissarro/ [Consult. 10/05/2014].
[2] Cf: Lionello Venturi – Para compreender a pintura, de Giotto a Chagal. Lisboa: Estúdios Cor, 1972, p. 158.
[3] Cf: Célia Soares Marinotti – Campo e cidade: um estudo das relações texto-imagem em Cesário Verde e em Camille Pissarrro. Dissertação de Mestrado em Letras na Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012. Seguimos os dados biográficos que, segundo a autora, foram retirados da obra Vida e Obra de Camille Pissarro, de Linda Doeser, Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. Igualmente nos servimos de referências biográficas sobre C. Pissarro in: Arquivo de Pinturas de Camile Pissarro [Em linha][Consult. 11/05/2014]. Disponível em: http://aidobonsai.com/tag/pinturas-de-camile-pissarro/
[4] Cf: Guia de História da Arte, dir. de Sandro Sproccati, Lisboa: Editorial Presença, 3ª ed., 1997, pp. 125-133.
[5] Idem, p. 126.
[6] Ver reproduções neste sítio-em-linha: http://www.wikipaintings.org/en/camille-pissarro/


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