Auto-retrato
O nome é caracteristicamente
judeu: Jacob Abraham Camille Pissarro. O
que nos levou ao seu estudo foi o facto curioso de ser descendente de judeus de
Bragança, saídos de Portugal no século XVIII. Quem foi este homem que marcou a
pintura europeia da segunda metade do século XIX?
Ente Junho e
Setembro de 2005 o MoMA de Nova Iorque realizou uma exposição notável [1]
em que se procurou evidenciar os laços artísticos que se estabeleceram entre
Pissarro e Cézanne, um e outro figuras cimeiras do movimento que viria a ser
conhecido por impressionismo. Postas
em confronto, as telas denotavam uma orientação artística comum servida por
sensibilidades naturalmente distintas. A contiguidade potenciava mutuamente a
expressividade de cada uma. A verdade é que Cézanne, um pouco mais novo que
Pissarro, se considerava seu discípulo e ambos percorreram juntos uma parte do
seus próprios caminhos, quando procuravam impor uma nova forma de pintar: ao ar
livre, com temas da vida quotidiana, procurando captar a luz na primeira
impressão com que olhavam cada parcela do mundo exterior. Porfiavam em chegar a
«uma composição de luz e não de coisas, dispensando uma repartição equilibrada
das imagens sobre a tela e a representação do espaço em perspectiva.»[2]
Fixemo-nos em
Pissarro.[3]
Nascido em 1830, nas Antilhas, numa família francesa ligada ao comércio - pai: Abraham
Frederic Gabriel Pissaro, descendente de judeus portugueses de Bragança; mãe: Rachel
Manzano-Pomie -, cedo mostrou inclinação para a pintura, o que não agradou aos
pais. Com 11 anos foi mandado para Paris para completar a educação escolar. De
novo em casa, com 17 anos, esperava-o o comércio. No entanto a inclinação
artística foi mais forte e teve a sorte de encontrar o pintor dinamarquês
Melbye que o convidou a acompanhar numa viagem à Venezuela. Em 1854 está de
novo em casa mas, pouco depois, com o apoio do pai que reconheceu a
impossibilidade de o ver singrar nos negócios familiares, voltou a Paris onde
frequenta cursos de arte com o apoio de Melbye. Inicialmente influenciado pelo
paisagismo de feição realista de Corot, procura novos caminhos expressivos.
Encontra-se com Monet, mais novo mas de educação burguesa semelhante e ambos
experimentam as técnicas pictóricas que levarão à afirmação de uma nova e
revolucionária forma de pintura, o impressionismo. As cores deixam de ser
misturadas na paleta para aparecerem autónomas na tela. O que se representa já
não é a reprodução fiel da natureza, sustentada pela linha rigorosa do desenho,
mas o instante fugaz do olhar, impressionado pela tonalidade da luz. Esta,
sempre mutante, requer a pincelada rápida que a capte na sua essência. Em vez
do esforçado trabalho sobre o claro-escuro, tão explorado pelos tenebristas e
realistas, uma afirmação desassombrada da subjectividade do olhar, aberto aos
contrastes da natureza filtrados pela percepção do pintor[4].
O Oise junto de Pontoise
Depois de
alguns insucessos, viu reconhecido o seu trabalho em anos posteriores, ao mesmo
tempo que se deslocou para a zona rural de Pontoise, inspiradora da claridade
luminosa das suas telas de que é exemplo brilhante “O Oise junto de Pontoise”. Casou em 1861 com Julie Vellay e deste
casamento nascem oito filhos e as concomitantes dificuldades de sustento,
agravadas pela guerra franco-prussiana que obrigam a família a fixar-se em
Inglaterra. No regresso percebe que centenas de quadros que havia pintado e
deixado em armazém tinham sido destruídos. Não se deixa abater pelo infortúnio
e é nesta fase que trabalha com Cézanne, sempre em busca de novos temas e
olhares. Encontra reconhecimento da parte de alguns patrocinadores que lhe
compram as telas e garantem mercado, mas sempre na fronteira da sobrevivência.
Viaja pela Europa e expõe em grupo com outros pintores que comungam da mesma
determinação de afrontarem o que consideram uma arte destituída de vida e
amortalhada em regras académicas e que se assumem, assim, como revolucionários
contra a estética caduca. Por isso, a designação com que George Rivière, um crítico
contemporâneo os define, em 1877: «Tratar um tema pelas suas tonalidades e não
pelo próprio tema é o que distingue os impressionistas dos outros pintores»[5].
Uma
característica de Camille Pissarro foi a sua abertura constante a novas
experiências. Daí que tenha aderido, em fase adiantada da sua vida, ao chamado
“pontilhismo”, tentativa de renovação de processos pictóricos baseados na
decomposição da cor, e que teve em Seurat o seu maior representante. Contudo
Pissarro regressa ao seu estilo inconfundível, caracterizado pelas paisagens
luminosas e, já na fase final da sua vida, marcada por problemas de visão, à
representação da vida urbana com suas ruas e gente do povo na sua labuta.
Trabalhando a óleo, mas usando por vezes a aguarela e o pastel, Pissarro marcou
a pintura do final de oitocentos pelo modo como captou a atmosfera de cada
lugar através de um trabalho rigoroso com a luz, em centenas de telas que
constituem um imenso e luminoso legado pictórico[6].
Morreu em 13
de Novembro de 1903 em Paris e repousa no mais célebre cemitério daquela cidade,
o Pére Lachaise.
11 de Maio de 2014
Joaquim Moedas Duarte
[1]
Pioneering Modern Painting: Cézanne and
Pissarro 1865-1885, patente ao público entre 26 de Junho e 12 de Setembro,
de 2005. Cf: http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2005/cezannepissarro/
[Consult. 10/05/2014].
[2]
Cf: Lionello Venturi – Para compreender a
pintura, de Giotto a Chagal. Lisboa: Estúdios Cor, 1972, p. 158.
[3]
Cf: Célia Soares Marinotti – Campo e
cidade: um estudo das relações texto-imagem em Cesário Verde e em Camille
Pissarrro. Dissertação de Mestrado em Letras na Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2012. Seguimos os dados biográficos que, segundo a autora,
foram retirados da obra Vida e Obra de
Camille Pissarro, de Linda Doeser, Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
Igualmente nos servimos de referências biográficas sobre C. Pissarro in: Arquivo de Pinturas de Camile Pissarro
[Em linha][Consult. 11/05/2014]. Disponível em: http://aidobonsai.com/tag/pinturas-de-camile-pissarro/
[4]
Cf: Guia de História da Arte, dir. de
Sandro Sproccati, Lisboa: Editorial Presença, 3ª ed., 1997, pp. 125-133.
[5]
Idem, p. 126.
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