sábado, 16 de agosto de 2014

RUPTURA E COSMOPOLITISMO NA ARTE PORTUGUESA DO INÍCIO DO SÉCULO XX




Nos alvores do século XX português um pequeno mas aguerrido grupo de artistas instala a inquietação e a desordem no sossegado ambiente cultural de Lisboa e Porto e faz da arte um campo de confronto e ruptura. Portugal era um país rural com cerca de 75%  de analfabetos, precários meios de comunicação e incipientes sectores secundário e terciário. O rei D. Carlos pintava marinhas que uma corte ignorante muito admirava, o teatro S. Carlos encenava óperas para um sonolento público de burgueses, os poucos jornais e revistas publicavam folhetins convencionais e poemas de amor às pálidas Lísias e Amarildas. Lisboa cabia toda no Largo do Loreto que Eça sarcasticamente descreve na última página do Crime do Padre Amaro, “esta paz, esta prosperidade, este contentamento… Meus senhores, não admira realmente que sejamos a inveja da Europa!”

Este mundinho pacato é inundado pelo caudaloso rio de uns tantos artistas rebeldes: Santa-Rita, Amadeo de Souza-Cardoso, Cristiano Cruz, Fernando Pessoa, Eduardo Viana, Abel Manta, Benanrdo Marques, Mário Eloy, Almada Negreiros… São uma minoria, decerto, como já o haviam sido os temerários revolucionários da Rotunda que derrubaram a Monarquia. Suficientes, no entanto, para abalarem os alicerces da velha sociedade portuguesa, beata, tradicionalista e estranha aos grandes ventos que varriam a Europa.

Esta elite de artistas revolucionários era a mais recente vaga de estrangeirados que, desde o séc. XVIII, vinha corroendo ciclicamente as grossas paredes do nosso endémico atraso cultural. Vindos de Paris – com a excepção de F. Pessoa, de raiz anglófila -  traziam as novidades das novas tendências artísticas, sobretudo na pintura, mas também na literatura, provocando escândalo com as suas exposições livres e levando ao desespero os críticos de arte, viciados no naturalismo bucólico oitocentista. Este espírito cosmopolita estava em frontal rota de colisão com o tacanho provincianismo das elites tradicionais portuguesas.

Para nós, o grande expoente deste espírito insubordinado e rebelde é Almada Negreiros. Homem de múltiplas expressões, marca as artes plásticas e a literatura com a sua iconoclastia destemida e provocadora. “Morra o Dantas, morra, pim!” ainda hoje ecoa como a mais violenta diatribe contra o academismo e o imobilismo na arte e no modo de estar na vida. Almada, que marcou a primeira geração modernista com a proclamação do espírito futurista,  cuja longevidade o prolonga para a segunda geração modernista, nos anos 20 e 30, e o leva a aceitar colaborar em projectos do Estado Novo sob a égide de António Ferro, marcará indelevelmente o panorama cultural português na primeira metade do século XX.

J. Moedas Duarte


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