Capela de S. Filipe - Forte de S. Filipe, Setúbal
Foto: cordeiro346.blogspot.com
Os
dois vídeo-documentários em apreço – com o título
genérico “O esplendor do barroco” - abordam os temas centrais da expressividade
barroca portuguesa setecentista no campo das artes: o azulejo e a talha. Partindo
de uma correcta e significativa selecção de imagens servidas por um texto claro
e uma locução perfeita, salientam que um e outro resultam de um processo
evolutivo que desemboca no mar largo do século XVIII, marcado pela exuberância
artística do reinado de D. João V. Lembrando que o ciclo joanino é marcado por
influências artísticas vindas do exterior, com predomínio da linha italianizante,
não deixam de sublinhar a constância do gosto português, tanto na azulejaria
como na talha.
O
primeiro vídeo incide sobre a arte azulejar,
território artístico em que a criatividade lusa atingiu a perfeição. Depois da
visita inicial ao nártex da ermida de Santo Amaro, em Lisboa, em que predominam
ainda as experiências seiscentistas policromáticas dos amarelos, azuis e
verdes, entramos no séc. XVIII com a viragem para a opção monocromática em tons
de azul, de que a igreja de S. Vitor, em Braga, é um exemplo, pela mão de Gabriel
del Barco. Na Casa do Corpo Santo, em Setúbal, com azulejos do monogramista
PMP, está patente a passagem do chamado “estilo nacional” para o barroco
joanino em que ganha expressão a estética barroca a jogar com o “efeito de conjunto”.
(Cf. António Horta Fernandes – A cultura barroca em Portugal in: O Barroco, Anne-Laure Angoulvent. Mem
Martins: Publicações Europa-América, col. Saber nº 234, 1996, p. 140.)
O ciclo
dos mestres – o citado PMP e os Oliveira Bernardes (António e Policarpo,
pai e filho) – marca a primeira metade do séc. XVIII com produções magníficas
espalhadas por todo o país. A capela de S. Filipe, em Setúbal, com o completo
revestimento das paredes e da abóbada e a igreja do convento de S. Domingos em
Benfica, com a articulação entre os painéis de azulejo e a talha dourada –
são-nos apresentados como dois exemplos deste período áureo do azulejo
português.
O
segundo vídeo-documentário aborda a talha revestida a ouro e
a sua evolução do estilo nacional ao joanino. Enquanto o primeiro, confinado
aos fundos planos das capelas, ganhara em relevo decorativo o que perdera em
sentido arquitectural, o segundo afirma-se com notável vigor em formas
dinâmicas e salientes que conferem profundidade aos espaços e um acentuado
efeito cénico pela monumentalidade do conjunto. Santos Pacheco é o mestre
entalhador que interpreta esta renovação na capela-mor da Igreja dos Paulistas
em Lisboa e no grandioso retábulo-mor da Sé do Porto.
O ponto culminante do desenvolvimento da
arte da talha é atingido nas igrejas franciscanas do Porto, S. Francisco e
Santa Clara. A talha sobra dos fundos planos retabulares e invade os espaços
disponíveis entre os vãos, os tetos e as colunas, criando um efeito de conjunto
avassalador. Os interiores transformam-se em grutas de madeira entalhada e
dourada, com formas exuberantes onde os motivos decorativos se enovelam entre
anjos, puti, imagens de Cristo, da Virgem e dos santos, num delírio formal que
corresponde ao programa catequético barroco e em que se evidencia o contraste
entre o despojamento exterior das igrejas e a “opulência refulgente do
interior”- imagem alegórica da dualidade corpo/alma. A referência, obrigatória,
aos órgãos da Sé de Braga culmina a apreciação da talha da época joanina.
Passando
para outro plano, parece-nos que o conteúdo informativo-analítico
destes documentários é, de certo modo, redutor e insuficiente. Dando relevo aos
aspectos descritivos das manifestações artísticas, deixa na sombra a abordagem
das condicionantes históricas de carácter político-económicas ou sócio-culturais.
Reconhecemos o carácter didáctico destes vídeos e supomos, até, que eles fazem
parte de um conjunto maior que, porventura, fará uma análise detalhada dos
aspectos que consideramos em falta. Contudo, apresentados assim, não deixam de
ter, em nossa opinião, um alcance limitado.
De facto, o fenómeno do barroco
português apenas se entende à luz de uma contextualização histórica cuidada que
redima pelo rigor as tentações do descritivismo artístico. Nessa conformidade,
será imprescindível referir a ambiência religiosa marcada pela Contra-reforma
geradora da presença obsessiva da Igreja como instituição central na sociedade
portuguesa, a consolidação da independência política após a Restauração de
1640, a progressiva afirmação do poder régio absolutista e a afluência do ouro
do Brasil.
Concluindo,
é justo referir que estes videogramas, apesar das limitações referidas, documentam
de modo expressivo aquele que é, indubitavelmente, um dos mais importantes
momentos da História da Arte portuguesa
Torres Vedras, 20 de Abril de 2014
Joaquim Moedas Duarte
[ Obs. Este comentário tem como objecto dois videogramas da Universidade Aberta. ]
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