sábado, 16 de agosto de 2014

COMENTÁRIO CRÍTICO A DOIS VIDEOGRAMAS

                            
Capela de S. Filipe - Forte de S. Filipe, Setúbal
Foto: cordeiro346.blogspot.com

Os dois vídeo-documentários em apreço – com o título genérico “O esplendor do barroco” - abordam os temas centrais da expressividade barroca portuguesa setecentista no campo das artes: o azulejo e a talha. Partindo de uma correcta e significativa selecção de imagens servidas por um texto claro e uma locução perfeita, salientam que um e outro resultam de um processo evolutivo que desemboca no mar largo do século XVIII, marcado pela exuberância artística do reinado de D. João V. Lembrando que o ciclo joanino é marcado por influências artísticas vindas do exterior, com predomínio da linha italianizante, não deixam de sublinhar a constância do gosto português, tanto na azulejaria como na talha.
O primeiro vídeo incide sobre a arte azulejar, território artístico em que a criatividade lusa atingiu a perfeição. Depois da visita inicial ao nártex da ermida de Santo Amaro, em Lisboa, em que predominam ainda as experiências seiscentistas policromáticas dos amarelos, azuis e verdes, entramos no séc. XVIII com a viragem para a opção monocromática em tons de azul, de que a igreja de S. Vitor, em Braga, é um exemplo, pela mão de Gabriel del Barco. Na Casa do Corpo Santo, em Setúbal, com azulejos do monogramista PMP, está patente a passagem do chamado “estilo nacional” para o barroco joanino em que ganha expressão a estética barroca a jogar com o “efeito de conjunto”. (Cf. António Horta Fernandes – A cultura barroca em Portugal in: O Barroco, Anne-Laure Angoulvent. Mem Martins: Publicações Europa-América, col. Saber nº 234, 1996, p. 140.)
O ciclo dos mestres – o citado PMP e os Oliveira Bernardes (António e Policarpo, pai e filho) – marca a primeira metade do séc. XVIII com produções magníficas espalhadas por todo o país. A capela de S. Filipe, em Setúbal, com o completo revestimento das paredes e da abóbada e a igreja do convento de S. Domingos em Benfica, com a articulação entre os painéis de azulejo e a talha dourada – são-nos apresentados como dois exemplos deste período áureo do azulejo português.  
O segundo vídeo-documentário aborda a talha revestida a ouro e a sua evolução do estilo nacional ao joanino. Enquanto o primeiro, confinado aos fundos planos das capelas, ganhara em relevo decorativo o que perdera em sentido arquitectural, o segundo afirma-se com notável vigor em formas dinâmicas e salientes que conferem profundidade aos espaços e um acentuado efeito cénico pela monumentalidade do conjunto. Santos Pacheco é o mestre entalhador que interpreta esta renovação na capela-mor da Igreja dos Paulistas em Lisboa e no grandioso retábulo-mor da Sé do Porto.
O ponto culminante do desenvolvimento da arte da talha é atingido nas igrejas franciscanas do Porto, S. Francisco e Santa Clara. A talha sobra dos fundos planos retabulares e invade os espaços disponíveis entre os vãos, os tetos e as colunas, criando um efeito de conjunto avassalador. Os interiores transformam-se em grutas de madeira entalhada e dourada, com formas exuberantes onde os motivos decorativos se enovelam entre anjos, puti, imagens de Cristo, da Virgem e dos santos, num delírio formal que corresponde ao programa catequético barroco e em que se evidencia o contraste entre o despojamento exterior das igrejas e a “opulência refulgente do interior”- imagem alegórica da dualidade corpo/alma. A referência, obrigatória, aos órgãos da Sé de Braga culmina a apreciação da talha da época joanina.

Passando para outro plano, parece-nos que o conteúdo informativo-analítico destes documentários é, de certo modo, redutor e insuficiente. Dando relevo aos aspectos descritivos das manifestações artísticas, deixa na sombra a abordagem das condicionantes históricas de carácter político-económicas ou sócio-culturais. Reconhecemos o carácter didáctico destes vídeos e supomos, até, que eles fazem parte de um conjunto maior que, porventura, fará uma análise detalhada dos aspectos que consideramos em falta. Contudo, apresentados assim, não deixam de ter, em nossa opinião, um alcance limitado.
De facto, o fenómeno do barroco português apenas se entende à luz de uma contextualização histórica cuidada que redima pelo rigor as tentações do descritivismo artístico. Nessa conformidade, será imprescindível referir a ambiência religiosa marcada pela Contra-reforma geradora da presença obsessiva da Igreja como instituição central na sociedade portuguesa, a consolidação da independência política após a Restauração de 1640, a progressiva afirmação do poder régio absolutista e a afluência do ouro do Brasil.
Concluindo, é justo referir que estes videogramas, apesar das limitações referidas, documentam de modo expressivo aquele que é, indubitavelmente, um dos mais importantes momentos da História da Arte portuguesa

Torres Vedras, 20 de Abril de 2014


Joaquim Moedas Duarte

[ Obs. Este comentário tem como objecto dois videogramas da Universidade Aberta. ]




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