sábado, 16 de agosto de 2014

O MOVIMENTO SURREALISTA EM PORTUGAL


A localização periférica de Portugal explica em parte o constante atraso da chegada de todas as novas tendências, sejam na arte, na ciência, na moda ou na cultura em geral – situação que só o advento das novas tecnologias a partir dos anos 80 ajudou a esbater.
O caso do surrealismo é paradigmático. Este movimento artístico-cultural, chegado a Portugal em meados dos anos 40, havia surgido em França nos anos 20 (falamos do séc. XX) como consequência e resposta à avassaladora irracionalidade da Primeira Grande Guerra. Milhões de homens haviam sucumbido sob a metralha e os gases de um conflito que desmentiu cruelmente todas as crenças na ideia de progresso civilizacional. Onde estava a razão humana? Que forças obscuras se desencadearam para tão espantosa hecatombe?
Freud, no final de oitocentos, descerrara a cortina da mente humana e desvendara os recessos mais escusos onde se geram as paixões, os desequilíbrios, os desejos incnofessados, os recalcamentos, os sonhos, as associações de ideias. A razão, noção que alimentara a crença no progresso humano desde o luminoso século XVIII, surge então como ilusão perigosa que esconde a realidade mais profunda da mente humana, lá onde se cruzam e conflituam os egos, os super-egos, os inconscientes  e as pulsões sexuais. Só este tenebroso mundo interior poderia explicar a ferocidade com que milhões de homens se enfrentaram e destruiram.
Em França, André Breton lança o seu primeiro Manifesto Surrealista (1924) que congrega numerosos artistas em torno de um conceito revolucionário: o artista é um libertador sem bandeira, um iconoclasta sem emblema, um veículo de liberdade onde viajam a arte, a cultura, a cidadania, a vida. Uma totalidade em que coexistem os fantasmas interiores mais obscuros e os mais elevados e luminosos ideais de realização humana. Nem estética nem moral. Coexistência do sonho com a realidade. Assunção do irracionalismo como espaço de libertação.
O surrealismo foi um poderoso vulcão cultural que espalhou chamas e cinzas por todo o mundo e que, de certo modo, ainda hoje alimenta as pulsões mais obscuras da arte e da literatura contemporâneas.
Voltemos a Portugal. Leia-se: «Curioso é saber que não se fará a história do movimento surrealista em Portugal. Posto entre dois impossíveis, o do início e o do fim, nem os seus protagonistas se qualificam para Herculanos nem os amadores disso, temos visto, se haverao de esforçar.»[1] .
Podemos dizer que em Portugal  o surrealismo entra em meados dos anos 40 com Alexandre O’Neill, António Pedro, Mário Cesariny, Costa Pinto, Vespeira e outros, que se constituem em grupo que terá existência efémera. Contudo, o ideário artístico – com incidência na literatura e na pintura – permanecerá por muito mais tempo, em manifestações individuais.
J. Moedas Duarte


[1] Cf: Mário Cesariny – A intervenção surrealista. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997 (1ª ed. 1966), p. 14.


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