1)
IMPORTÂNCIA
CULTURAL DO REINADO DE D. João V
Contrariando a perspectiva
tremendista de Oliveira Martins sobre o “inchado Salomão de Mafra”[1],
a historiografia portuguesa mais recente[2]
reabilitou o reinado de D. João V no que respeita a certas práticas culturais -
como a renovação artística e o incremento dos estudos históricos –
integrando tais práticas nas tendências europeias do tempo.
No primeiro caso, com o recurso
decidido e decisivo a artistas estrangeiros, tanto do universo italiano como do
norte da Europa, no âmbito do grande movimento europeu do Barroco. No segundo com
a fundação, em 1720, da Academia Real da História Portuguesa e a publicação, em
1721, do Alvará em forma de Ley[3],
de enorme importância para a salvaguarda do património histórico nacional –
iniciativas que são, de algum modo, a consequência natural do apoio de D. João
V à criação e desenvolvimento da Arcádia Romano-Lusitana em Roma, no final de
Setecentos e que tiveram larga repercussão com o movimento arcadista em todo o
século XVIII[4].
Decerto, estas práticas culturais
integram-se na estratégia de afirmação de poder de D. João V a nível europeu a
partir da influência exercida sobre a cúria romana, por um lado, e da acção diplomática
por outro – de que é testemunho expressivo o papel desempenhado por D. Luís da
Cunha no contacto com o mundo da arte e do coleccionismo, com encomendas para o
rei e áulicos da Corte e compras para a sua própria colecção.[5]
2)
NUMISMÁTICA
E MEDALHÍSTICA COMO FONTE HISTÓRICA
Desde que existem moedas
metálicas, o seu entesouramento foi uma prática secular como forma de granjear
riqueza e garantir poder. A moeda tinha um valor material que lhe advinha do
metal que a constituía e um valor político de afirmação de poder da parte de
quem a cunhava – normalmente o rei. Em virtude de crises económicas ou na
sequência de mudanças políticas, a moeda em circulação era muitas vezes sujeita
a fundição e nova cunhagem. Daí a sua existência efémera.
Contudo, a ambiência
sócio-cultural do séc. XVIII, com a afirmação do Iluminismo e uma concepção da
História baseada na glorificação dos monarcas e dos heróis, fez recair sobre o
colecionismo de moedas um prestígio novo, agora associado “a uma imagem de
saber e erudição”[6] – o que
significou uma nova maneira de olhar a numismática. Ela passa a ser uma
importante fonte para o conhecimento histórico. O Alvará de 1721 dedica várias
linhas à salvaguarda de “lâminas, chapas, medalhas e moedas”. Igualmente na
monumental História Genealógica da Casa
Real, D. António Caetano de Sousa aborda longamente a sua importância ao
mesmo tempo que é, ele mesmo, um conceituado numismata pela acção
colecionadora, na esteira de outros eruditos da época.[7]
3)
DO
CONCEITO DE GABINETE AO DE MUSEU
Na segunda metade do séc. XVIII
deteta-se uma mudança em relação ao uso dos conceitos de gabinete e de museu[8].
Se na primeira parte do século – correspondente ao período joanino – os dois
termos eram indiferenciadamente usados e com asserções semânticas pouco
rigorosas, com o Marquês de Pombal entra-se na era dos Museus como espaços
organizados na perspectiva de um ensino renovado, expurgado da tradição
imobilista jesuítica, ligado às ciências exactas e a uma nova concepção da
universidade. São criados, assim, o Real Museu da Ajuda e os Museus da
Universidade de Coimbra.[9]
Antes desta reforma decisiva, e
na sequência de uma longa tradição colecionista que se firmou no século XVI, -
como já por nós foi estudado em anterior tópico desta Unidade Curricular, - a
época joanina distinguiu-se pela proliferação de gabinetes de curiosidades em que se amalgamavam exemplares da
fauna, da flora, da mineralogia e de todo o tipo de objectos que pudessem
suscitar admiração. Cresceu, também, o gosto pela coleção de pintura e de
livros. Infelizmente, a esmagadora maioria destes gabinetes ficou soterrada no
terramoto de 1755 e hoje nada resta a não ser alguns inventários e registos.
Era uma actividade do gosto das elites cortesãs, que também nisso queriam
imitar o rei, juntando ao culto das antiguidades as chamadas naturalia e mirabilia – “um resumo de toda a natureza”, na linha do
enciclopedismo de raiz francesa.[10]
Joaquim Moedas Duarte
[1]
Oliveira Martins – História de Portugal.
Lisboa: Guimarães Editores, 16ª ed, 1972, p. 454.
[2]
Cf João Carlos Brigola – Colecções,
Gabinetes e Museus em Portugal no séc. XVIII. Lisboa: Fund. Cal.
Gulbenkian/Fund. Ciência e Tecnologia, 2003, p. 51.
[3]
Transcrito por J. C. Brigola in: Coleccionismo
no século XVIII – Textos e documentos. Porto: Porto Editora, 2009, pp.1 a
3. Cf, também, J. C. Brigola – Coleccções,
Gabinetes…, p. 64 a 67.
[4]
Cf: Nuno Saldanha – A Arcádia Romano-Lusitana e os círculos de poder na cultura
setecentista (1721-1756) in Propaganda
& Poder, Congresso Peninsular de História da Arte, 5 a 8 de Maio de 1999.
Lisboa: Ed. Colibri, 2001, pp. 365-382.
[5]
Cf: Isabel Cluny – D. Luís da Cunha e a
ideia de diplomacia em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pp. 113 e
sgts. E também J. C. Brigola – Coleccções,
Gabinetes…, p. 55.
[6]
Cf. J. Carlos Brigola – Coleccções,
Gabinetes…, p. 58.
[7]
J. C. Brigola – Coleccionismo, Gabinetes…,
p. 58 e sgts.
[8]
J. C. Brigola – Coleccionismo no século
XVIII, Introdução, p. XXIII.
[9]
Cf: Paulo Oliveira Ramos – Breve história do museu em Portugal in: Iniciação à museologia, coord. de Maria
Beatriz Rocha-Trindade, Universidade Aberta, 1993, p. 21.
[10]
Cf: Durval de Lara Filho – Museu: de
espelho do mundo a espaço relacional. Dissertação de pós-graduação,
Universidade de S. Paulo. S. Paulo, 2006, p. 37.
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