A política do Estado Novo para os Museus tem de ser
entendida à luz do padrão ideológico que se instituiu na sequência da Ditadura
Militar de 1926/32 e da Constituição plebiscitada em 1933 por Oliveira Salazar
e cujos princípios orientadores se resumiam à formulação simples de «Deus,
Pátria, Autoridade, Família e Trabalho»[1].
A preservação do Património pátrio obedecia à ideia de que deveria reflectir a
essência de uma identidade nacional definida pelos ideólogos do regime e que se
baseava na ruralidade, na matriz católica e no respeito pelas
elites governantes – reis, classes dirigentes, governantes da União Nacional.
Os lugares de memória dessa identidade eram os edifícios emblemáticos
preservados, restaurados - e até reconstruídos como o Paço de Guimarães - , como símbolos da portugalidade: as sés, os
castelos, os paços reais, os conventos[2].
Nesta perspectiva glorificadora da restauração nacional
promovida por Salazar, figura carismática do Estado Novo, aos museus eram
atribuídas duas importantes missões, consoante o seu conteúdo específico: de
guarda e mostra de testemunhos artísticos – os Museus de Arte herdados da 1ª
República; de garantes da preservação da tradição e dos costumes portugueses,
com realce para os testemunhos do mundo do trabalho – com incidência na
ruralidade, mas também com a atenção dispensada ao sector das pescas ou das
indústrias – os Museus de cariz etnográfico aos quais foi dado grande relevo.
O papel dos museus foi complementado por significativas
acções pontuais de propaganda ideológica, as “exposições temporárias”, que
Sérgio Lira tão bem resume no seu texto de 1999, no Colóquio “Museologia
Portuguesa, Balanço do Século”[3].
Estas exposições constituíam mostras e montras do modo de ser português e eram meticulosamente
projectadas, organizadas e montadas com a finalidade de transmitir ao povo e ao
mundo as raízes da cultura portuguesa. Radicou nesta prática a exaltação da
ideia de Império Colonial, como se o regime quisesse responder, ainda, à ameaça
nunca esquecida do Ultimatum inglês de 1890. Nessas mostras – cujo paradigma se
encontra na grande realização da Exposição
do Mundo Português, em 1940, na zona de Belém, em Lisboa, «testemunho e
apoteose da consciência nacional»[4]
- pretendia-se mostrar a verdadeira dimensão territorial de Portugal - “do
Minho a Timor” – bem como a riqueza e diversidade étnica das suas gentes,
indo-se ao ponto de representar tabancas indígenas de África, com suas
palhotas, danças e costumes, vivenciados
por autótones importados para o efeito.
Tal como Sérgio Lira refere na conclusão, o regime procurava
ainda, com estas exposições, salientar a importância da sua obra no
desenvolvimento do país nos aspectos sociais e económicos, bem como o
investimento nas obras públicas.
Joaquim Moedas Duarte
[1] «Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a
Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não
discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu
dever.» In: «As grandes certezas da Revolução Nacional» - Discurso pronunciado
por Salazar em Braga, no 10º aniversário do 28 de Maio - «Discursos», Vol. II,
págs. 130, 1936. Disponível em: http://www.oliveirasalazar.org/textos.asp?id=47 . Consultado em 23 Junho 2014.
[2] Paulo Oliveira Ramos – “Breve história do museu em
Portugal” in Iniciação à museologia,
coord. Maria Beatriz Rocha-Trindade, Universidade Aberta, 1993, p.50.
[3] Sérgio Lira -
“Exposições temporárias no Portugal do Estado Novo: alguns exemplos de usos
políticos e ideológicos”, in Museologia
Portuguesa: balanço de um século, Colóquio Apom 99.
[4] Citação de Sérgio Lira in: “Museus no Estado Novo:
continuidade ou mudança”. In: 100 anos de
património, memória e identidade, IGESPAR, Lisboa, 2011, p.194.
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