sábado, 6 de setembro de 2014

MUSEUS E ESTADO NOVO



A política do Estado Novo para os Museus tem de ser entendida à luz do padrão ideológico que se instituiu na sequência da Ditadura Militar de 1926/32 e da Constituição plebiscitada em 1933 por Oliveira Salazar e cujos princípios orientadores se resumiam à formulação simples de «Deus, Pátria, Autoridade, Família e Trabalho»[1].

A preservação do Património pátrio  obedecia à ideia de que deveria reflectir a essência de uma identidade nacional definida pelos ideólogos do regime e que se baseava na ruralidade, na matriz católica e no respeito pelas elites governantes – reis, classes dirigentes, governantes da União Nacional. Os lugares de memória dessa identidade eram os edifícios emblemáticos preservados, restaurados - e até reconstruídos como o Paço de Guimarães - ,  como símbolos da portugalidade: as sés, os castelos, os paços reais, os conventos[2].

Nesta perspectiva glorificadora da restauração nacional promovida por Salazar, figura carismática do Estado Novo, aos museus eram atribuídas duas importantes missões, consoante o seu conteúdo específico: de guarda e mostra de testemunhos artísticos – os Museus de Arte herdados da 1ª República; de garantes da preservação da tradição e dos costumes portugueses, com realce para os testemunhos do mundo do trabalho – com incidência na ruralidade, mas também com a atenção dispensada ao sector das pescas ou das indústrias – os Museus de cariz etnográfico aos quais foi dado grande relevo.

O papel dos museus foi complementado por significativas acções pontuais de propaganda ideológica, as “exposições temporárias”, que Sérgio Lira tão bem resume no seu texto de 1999, no Colóquio “Museologia Portuguesa, Balanço do Século”[3]. Estas exposições constituíam mostras e montras do modo de ser português e eram meticulosamente projectadas, organizadas e montadas com a finalidade de transmitir ao povo e ao mundo as raízes da cultura portuguesa. Radicou nesta prática a exaltação da ideia de Império Colonial, como se o regime quisesse responder, ainda, à ameaça nunca esquecida do Ultimatum inglês de 1890. Nessas mostras – cujo paradigma se encontra na grande realização da Exposição do Mundo Português, em 1940, na zona de Belém, em Lisboa, «testemunho e apoteose da consciência nacional»[4] - pretendia-se mostrar a verdadeira dimensão territorial de Portugal - “do Minho a Timor” – bem como a riqueza e diversidade étnica das suas gentes, indo-se ao ponto de representar tabancas indígenas de África, com suas palhotas,  danças e costumes, vivenciados por autótones  importados para o efeito. 


Tal como Sérgio Lira refere na conclusão, o regime procurava ainda, com estas exposições, salientar a importância da sua obra no desenvolvimento do país nos aspectos sociais e económicos, bem como o investimento nas obras públicas.


Joaquim Moedas Duarte

[1] «Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever.» In: «As grandes certezas da Revolução Nacional» - Discurso pronunciado por Salazar em Braga, no 10º aniversário do 28 de Maio - «Discursos», Vol. II, págs. 130, 1936. Disponível em: http://www.oliveirasalazar.org/textos.asp?id=47 . Consultado em 23 Junho 2014.
[2] Paulo Oliveira Ramos – “Breve história do museu em Portugal” in Iniciação à museologia, coord. Maria Beatriz Rocha-Trindade, Universidade Aberta, 1993, p.50.
[3] Sérgio Lira - “Exposições temporárias no Portugal do Estado Novo: alguns exemplos de usos políticos e ideológicos”, in Museologia Portuguesa: balanço de um século, Colóquio Apom 99.
[4] Citação de Sérgio Lira in: “Museus no Estado Novo: continuidade ou mudança”. In: 100 anos de património, memória e identidade, IGESPAR, Lisboa, 2011, p.194.

Nenhum comentário:

Postar um comentário