CARTA DE ATENAS
(1931)
Deste importante
documento (“o primeiro acto normativo internacional exclusivamente dedicado ao
património” [1]), destaco o ponto VII b), “Papel da educação no
respeito pelos monumentos”. Depois de alguns considerandos, diz
textualmente:
“…que os educadores
sensibilizem a infância e a juventude para que evitem degradar os monumentos,
quaisquer que eles sejam, e lhes ensinem a se interessarem, de uma maneira
geral, pela protecção dos testemunhos de todas as civilizações.”[2]
Hoje é um lugar
comum evidenciar o valor do ensino/educação para todos, um dos avanços
civilizacionais mais expressivos. E tanto mais se o contrastarmos com o que se
passava, por exemplo, no tempo de Alexandre Herculano, como vimos aquando do
estudo dos nossos patrimonialistas. Ressoam ainda os seus vitupérios contra os
discípulos de Átila e a crassa ignorância que não poupava ninguém, dos
vereadores municipais às gentes do Governo: “Dos males que os séculos
passados legaram ao presente nenhum foi tão fatal como a ignorância em que
deliberadamente se conservavam as multidões.” [3] A esta
ignorância atribuía Herculano o desprezo e os maus tratos a que estavam
sujeitos os monumentos pátrios. Este passo da Carta de Atenas parece
responder, um século depois, à violenta denúncia do grande historiador.
De 1931 para cá um
longo caminho foi percorrido. A educação patrimonial tornou-se um tema
recorrente nas nossas escolas, sobretudo depois da revitalização do Poder
Local, pós Abril de 1974. Deu-se cada vez mais valor aos sinais identitários
das comunidades com destaque para os monumentos edificados e as tradições
populares, como o provam as inúmeras iniciativas realizadas um pouco por todo o
lado em que se mobilizam escolas, autarquias e associações culturais. E não é
por acaso que se verifica, de há uns anos a esta parte, um significativo
aumento de cursos universitários ligados à temática do Património – bem patente
no sítio do IGESPAR[4].
De referir que a Carta
de Atenas está na origem da Resolução sobre a conservação de
monumentos históricos e de obras de arte, aprovada pela Assembleia da
Sociedade das Nações em 10 de Outubro de 1932. Neste documento, a segunda das
cinco recomendações aprovadas reforça o ponto VII b) da Carta de Atenas e
alarga o seu âmbito “ao público em geral, para o envolver na protecção
dos testemunhos de todas as civilizações.” [5]
[1] LOPES,
Flávio e CORREIA, Miguel Brito – Património arquitectónico e
arqueológico, cartas, recomendações e convenções internacionais. Lisboa:
Livros Horizonte, 2004. ISBN 972-24-1307-4.(p.17)
[2] Idem, p.
46.
[3] HERCULANO,
Alexandre – Monumentos pátrios. In Opúsculos I.
Organização, introdução e notas de Jorge Custódio e José Manuel Garcia. Porto:
Editorial Presença, 1982.
[4] IGESPAR
- Instituições de Ensino com Formação em Áreas Relacionadas com o
Património [Em linha][consultado em 12 de Janeiro de 2014]. Disponível em: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/formacaoempatrimonio/
[5] LOPES,
Flávio…, ibidem, p.17 e p. 50.
CARTA DE VENEZA (1964)
É um documento histórico que ainda hoje constitui ponto de
referência incontornável, verdadeira “Magna Carta” da salvaguarda dos
monumentos e sítios. A sua importância é reforçada pelo número de participantes
e de países que estiveram no Congresso[1] em que foi aprovada: mais de 500
e 61, respectivamente. Portugal esteve presente e fez parte da comissão
redactora da Carta através do Arq. Luís Benavente[2] e/ou do Arq. João Vaz
Martins [3].
Destaco a totalidade do Artigo 11º, que
começa assim: “A unidade de estilo não deve constituir um objectivo a
alcançar no decurso de um restauro. Pelo contrário, devem ser respeitados os
contributos válidos das diferentes épocas de construção.”[4]
A razão da escolha prende-se com a importância dos princípios
orientadores das intervenções nos monumentos, matéria altamente polémica como o
demonstra o percurso das várias tendências dominantes desde a segunda metade do
séc. XIX até meados do séc.XX: «Viollet-le-Duc e o restauro estilístico; John
Ruskin e o movimento anti-restauro; Luca Beltrami e o restauro histórico;
Camilo Boito e o restauro científico; Alois Riegl e o culto moderno dos
monumentos; Gustavo Giovannoni: monumento e sítio histórico», - citando os
capítulos de um livro dedicado ao estudo do restauro dos nossos monumentos
nacionais entre 1929 e 1960 [5].
Entre nós, depois das intervenções desastrosas em muitos dos
nossos principais monumentos e que Ramalho Ortigão denunciou vigorosamente em O
culto da arte em Portugal, - recentemente estudado nesta Unidade Curricular
- o Estado Novo, saído do pronunciamento e ditadura militares (1926 a 1932,)
lançou um vasto programa de restauro através da Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais (DGEMN). Tratou-se de uma opção abertamente ideológica
defendida por António de Oliveira Salazar, primeira figura do novo regime
político, no sentido de exaltar os valores da antiga portugalidade, a partir de
um corpo doutrinário fundado noIntegralismo Lusitano de António
Sardinha, entre outros contributos teóricos de figuras como o Cardeal
Cerejeira. Tais princípios, aplicados ao restauro dos monumentos em ruínas,
tinham como linha condutora «conferir aos nossos monumentos “a pureza da sua
traça primitiva”, procurando refazê-los dos “atentados cometidos no século XVII
e XVIII” [6].
A intenção era limpar os monumentos dos acrescentos abusivos
e devolvê-los ao seu primitivo aspecto. Na prática, o que aconteceu em muitos
casos foi a mutilação irreversível através do apagamento das marcas naturais da
historicidade. Esta linha de orientação encontrou algumas resistências, mesmo
dentro da própria DGEMN, caso do Arq. Raul Lino, funcionário Superior daquele
organismo oficial. Curiosamente, os dois participantes da representação
portuguesa ao Congresso de onde saiu a Carta de Veneza, foram figuras de
destaque da DGEMN que acabaram por subscrever as novas directrizes, em tudo
contrárias às sua práticas anteriores.
[1] 2º Congresso Internacional de Arquitectos e
Técnicos de Monumentos Históricos realizado de 25 a 31 de Maio de 1964, em
Veneza.
[2] MARIZ, Vera Félix- De Atenas a Veneza, o
percurso do Arquitecto Luís Benavente.[Em linha] Actas do Simpósio
Património em Construção, LNEC, 2011. [Consultado em 11 Janeiro 2014].
Disponível em:<URL:
[3] NETO, Maria João Baptista – Memória,
propaganda e poder – O restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960). 1ª
edição. Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2001, p.
229-233
[4] LOPES, Flávio e CORREIA, Miguel Brito – Património
arquitectónico e arqueológico, cartas, recomendações e convenções
internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. ISBN 972-24-1307-4. P. 105.
[5] Idem, Sumário, p. 3..
[6] Ibidem, p. 234.
CARTA DE CRACÓVIA (2000)
Discutida e aprovada por peritos de 51 países, depois de longa preparação prévia, é um documento que se assume como herdeiro daCarta de Veneza – referida no início e no final do “Preâmbulo”. Mas vai mais longe na definição de métodos e técnicas de conservação e restauro, na definição dos tipos de património construído, nos âmbitos de actuação e, até, na proposta de conceitos e terminologia. Reconhece a diversidade cultural da Europa e apela a que cada comunidade encontre o seu próprio caminho de identificação e gestão do seu património.
Das formulações expressas nesta Carta destaco o ponto 12:
«A pluralidade de valores do património e a diversidade de interesses requerem uma estrutura de comunicação que permita uma participação efectiva dos cidadãos no processo, para além dos especialistas e gestores culturais. Caberá às comunidades adoptar os métodos e as formas apropriadas para assegurar uma verdadeira participação dos cidadãos e das instituições nos processos de decisão.»[1]
Parece-me essencial esta perspectiva de participação dos cidadãos na gestão das questões do património. Curiosamente, a palavraparticipação aparece duas vezes no ponto 12 e uma vez na primeira frase do ponto 13. De facto, o património cultural é uma área demasiado importante para ser tratada apenas pelos peritos e decisores políticos, por mais bem preparados que estejam. É hoje evidente que a preservação dos bens patrimoniais exige a atenção e a participação activa do cidadão comum, até pela pluralidade de valores -sociais, económicos, turísticos - em jogo nas questões do património.
Cabe aqui referir que a nossa Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, que “estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural”, publicada menos de um ano depois da Carta de Cracóvia, já legisla sobre esta participação dos cidadãos. O Artigo 10º, desdobrado em 7 pontos, prevê e incentiva a criação de “Estruturas associativas de defesa do património cultural”. A proximidade de datas de publicação destes dois documentos sugere, até, que Portugal foi pioneiro de algumas das orientações saídas da Carta de Cracóvia. Isso mesmo foi referido por Elísio Summavielle, na altura Subdirector da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, aquando da sua intervenção no Colóquio dedicado ao “Associativismo e Património”, realizado em Santarém em 29 e 30 de Março de 2003[2]. Intitulada «”Cracóvia 2000” – uma carta para o futuro», a sua comunicação sublinha os aspectos inovadores daquele documento no qual Portugal teve participação activa[3].
[1] LOPES, Flávio e CORREIA, Miguel Brito – Património arquitectónico e arqueológico, cartas, recomendações e convenções internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. ISBN 972-24-1307-4.(p.294).
[2] ASSOCIATIVISMO E PATRIMÓNIO. Actas do Colóquio organizado pela Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém, 29 a 30 de Março de 2003.Santarém: Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém e Fundação Passos Canavarro – Arte, Ciência e Democracia, 2003. ISBN: 972-9051-73-9.
[3] Idem, p. 179-183.
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