Da leitura dos capítulos selecionados das Viagens na minha
terra, destaco as páginas dedicadas ao Convento de S. Francisco (cap. XLI e
XLII), como símbolo do vandalismo contra o património edificado.
Almeida Garrett que, tal como Herculano, foi um lutador da
liberdade e, de armas na mão, contribuiu para a instauração do regime liberal,
aproveita o relato do seu passeio a Santarém para zurzir impiedosamente a
ignorância e o desleixo dos barões do novo regime que, entre outras coisas,
desprezam e maltratam os monumentos da Santarém medieval. O Convento de S.
Francisco, “um dos mais antigos e mais históricos edifícios do reino”, foi
“consertado pelas Obras Públicas para servir de quartel de soldados”. E Garrett
amaldiçoa as mãos que profanaram a velha urbe e que desonraram Portugal porque
“destruíram os padrões da sua história”. A pungente descrição do túmulo do rei
D. Fernando, profanado pela bruteza dos soldados que nele buscaram riquezas, é
um dos pontos altos de todo o livro, elevando-se à altura das catilinárias de
Herculano, cinco anos antes, na revista “Panorama”.
A juntar à cólera dos nossos escritores oitocentistas,
acrescento, por minha conta, o gravíssimo atentado muito recentemente
perpetrado contra o velho edifício: a colocação de uma rosácea por cima da
porta axial do templo, encomendada por ignorante barão dos nossos tempos. A
merecer a cruciante invectiva de Garrett no cap. XXXVI: “Ai Santarém, Santarém!
Abandonaram-te, mataram-te e agora cospem-te no cadáver.”
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Do impressivo texto de Herculano, - Monumentos pátrios- pioneiro da salvaguarda do
Património edificado, destaco o excerto
que começa em: «Mas que serão os monumentos? Que serão essas admiraveis
aggregações de marmore ou de granito?» e vai até «adoradores do camartello, por
qualquer lado que se observe a vossa obra, não se descobre senão o absurdo.»
Herculano, num tom
bíblico que se coadunava bem com o seu estatuto de cidadão interveniente e já
muito prestigiado, depois de denunciar o vandalismo a que os monumentos
nacionais estão sujeitos – numa linguagem violentíssima em que utiliza
expressões como “instinto bárbaro” e “filosofia da brutalidade” – usa o
argumento do interesse material. Pois não viam estes “netos de Átila” que, num
país que pouco ou nada tinha para atrair estrangeiros a não ser os seus
monumentos, estes podiam render dinheiro? Ao menos que entendessem isso. Mas
nem isso – e Herculano, que já os apodara de “ridículos”, carimba de “absurdos”
estes “adoradores do camartelo”.
Estas palavras de
Herculano, primeiramente publicadas na revista Panorama em 1838/39, e
posteriormente refundidas para os Opúsculos, são impressionantemente actuais e,
até premonitórias. Herculano tem a visão certeira do que será o fenómeno
turístico que ganhará expressão na segunda metade do séc. XX, mais de cem
depois.
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UM ASPECTO RELEVANTE DO LIVRO DE R. ORTIGÃO
Do excerto do livro de Ramalho Ortigão O Culto da Arte em
Portugal destaco uma frase elucidativa de um aspecto que considero relevante da
obra (cito da edição em PDF da Biblioteca Nacional, pg. 54):
“O meu fim porém não é fazer a crítica das restaurações da
Batalha, mas sim demonstrar, como julgo ter feito, por meio de alguns factos
característicos e capitais, que nas restaurações empreendidas(…) não houve
antecedência de programa, nem estudo prévio, nem determinação de método, nem
sanção crítica, nem fiscalização técnica, nem polícia artística de espécie
alguma.”
Parece-me uma observação extremamente pertinente, ajustada
ao problema do restauro dos monumentos edificados. Logo no início o autor
denunciara os dois pecados cometidos pela administração central / Estado, em
relação aos monumentos: ou os deixava morrer ao abandono, ou os assassinava,
restaurando-os. Uma e outra, são acusações gravíssimas. Por isso R. Ortigão
exemplifica com três casos emblemáticos: os Jerónimos, a Madre de Deus e a
Batalha. As descrições que faz desses restauros são aterradoras. E se assim é
com aqueles casos, o que não será com o resto, deixado ao arbítrio dos poderes
locais? E lá vem uma lista de atentados, de norte a sul do país, que ilustra
com descrições concretas.
O que me parece mais de assinalar é que o autor não se fica
pela denúncia. Depois de estudar a questão histórica de saber quem é o autor do
projecto de construção da Batalha – numa demonstração brilhante do método
analítico em História – evidenciando assim a necessidade de fundamentar
historicamente qualquer acção de restauro, o autor explica como deveria ser
feito tal restauro, referindo as teoria arquitectónicas, a consideração pelos
materiais e o próprio passado do edifício, que deve ser tido em conta.
Para R. Ortigão, a acompanhar a denúncia há que propor
soluções, explicar o que está mal à luz do que deveria ser, numa perspectiva
pedagógica que deve ser, ainda hoje e cada vez mais, a de todos os que actuam
na área do Património. É o caso das Associações de Defesa do Património a quem
caberá prosseguir a acção brilhante dos nossos escritores oitocentistas.
J. Moedas Duarte
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