Quando Ramalho Ortigão escreve o seu violento libelo contra
o desleixo e a inoperância dos poderes públicos face ao nosso Património, já
muitos anos haviam passado sobre as primeiras medidas de defesa e preservação.
Recuando ao séc. XVI, um contributo importante para a salvaguarda do património
documental foi a chamada Leitura Nova de D. Manuel I em que o monarca manda
tresladar para livros novos de pergaminho os documentos antigos que estavam
danificados, acção que se articula com as obras de reconstrução da Torre do
Tombo, na mesma época. (1)
Mais tarde encontramos o Alvará em forma de Lei de 1721, de
D. João V, e cuja inspiração ou mesmo autoria, segundo Paulo O. Ramos, se pode
atribuir a D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733). Paulo O. Ramos
faz o levantamento das medidas concretas previstas nesse documento régio, de
que podemos destacar, por exemplo, a existência de uma verba para aquisição de
achados ou a conservação dos monumentos.(2)
Em 1832 sai um decreto assinado por D. Pedro IV, que cria
uma Comissão para a Administração dos bens pertencentes aos Conventos e mosteiros
abandonados do Porto.
Em 1852-1857 é criada a Comissão Geológica do Reino, depois
designada por Serviços Geológicos de Portugal.
Quero eu dizer: em
vol d’oiseau, listamos exemplos de medidas de defesa do património que permitem
a Ramalho Ortigão, que as conhecia,
ajuizar da sua ineficácia ou não observância. No final do séc. XIX,
apesar de um certo pioneirismo de espíritos esclarecidos em épocas anteriores,
e da acção abnegada de alguns contemporâneos, a regra geral era de desleixo ou
de intervenção restaurativa inadequada.
Em Portugal conviviam duas camadas culturalmente distintas:
uma, maioritária, de matriz rural e arcaica, profundamente influenciada por um
clero ignorante e ultramontano; e outra, minoritária, esclarecida, cosmopolita,
informada e relacionada com a cultura mais avançada da Europa.
Os patrimonialistas, de que fala Ortigão, pertenciam a esta
estirpe, tal como alguns raros homens do Poder, em oposição à grande massa
ignorante e labrega. Também aqui, como em outros contextos, cabe a frase de
Napoleão de que "os exércitos caminham à velocidade dos mais lentos".
Era contra isso que Ramalho, tal como já antes Garrett e
Herculano, levantava a sua voz de indignada e impaciente ira patriótica.
NOTAS:
(1) Cf. LEITURA
NOVA in http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4223191 [acedido em
1-XII-2013];
LAGE, Maria Otília Pereira Lage, Abordar o Património Documental: Territórios,
Práticas e Desafios, Colecção Cadernos NEPS 4, Edição:Núcleo de Estudos de
População e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho,
Guimarães/2002 [em linha], disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/792/1/caderno04.pdf,[
acedido em 1-XI-2013].
(2) Cf. RAMOS,
Paulo Oliveira, O alvará régio de 20 de Agosto de 1721 e D. Rodrigo Anes de Sá
Almeida e Meneses, o 1º m[arquês de Abrantes.[em linha] in:
http://historiadopatrimonio.blogspot.pt/.1-V-2007, [última consulta em
1-XII-2013].
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