VITOR HUGO CLAMA E DENUNCIA EM NOME DE QUÊ?
Antes de me debruçar sobre os nossos escritores
oitocentistas, detenho-me ainda na figura de V. Hugo.
Há nele a postura do profeta que clama no deserto, atitude
característica dos homens que estão em contradição com o seu tempo e que têm
tendência para aumentar desmesuradamente os aspectos que consideram negativos
na sociedade. O nosso Herculano também foi um pouco assim...
Volto a referir F. Choay que, a este propósito, avança a
ideia de que em V. Hugo - como na corrente romântica de que ele foi figura
exponencial - se manifesta a consciência de uma mudança histórica radical com a
chegada da Revolução Industrial. Esta nova ordem económica acarreta uma
"ruptura traumática do tempo" (cf
Françoise Choay, A alegoria do património, Ed. 70, Lisboa, 2013, p.144)
e, perante esta passagem da "fronteira do irremediável" (idem) há que
contrapor a defesa do que é perene: os monumentos que são uma herança que
recebemos do passado e que devemos legar ao futuro. Há aqui a concepção da
História como acumulação de legados, "produtos da inteligência
humana", "obra colectiva dos nossos pais" ( cf. último parágrafo
de "Guerre aux démolisseurs"),.
"É isto que deveis respeitar, ó homens do meu
tempo!" - parece clamar V. Hugo do alto do seu inconformismo.
MAS... SERÁ POSSÍVEL PRESERVAR TUDO?
Michel Lacroix (O princípio de Noé ou a ética da
salvaguarda, Instituto Piaget, Lisboa, 1999) fala no "regresso ao
passado" como um fenómeno visível nas sociedades contemporâneas, uma
reacção saudável "perante a mudança económica, social e urbana que ninguém
controla" (p. 16). No fundo, algo de semelhante à reacção dos românticos
do séc. XIX face às mudanças provocadas pela Revolução Industrial
No final do livro, interroga: "Que deveremos
conservar?"(idem, p. 188)
Esta é a grande questão com que se defrontam todos os dias
os autarcas e os cidadãos, organizados ou não em Associações de Defesa do
Património. Lacroix, defensor de que "o património não pode esquecer que o
desenvolvimento da pessoa é a sua verdadeira finalidade" (idem), deixa uma
pergunta inquietante: "Como poderá o homem tomar consciência do que ele é
se estiver soterrado debaixo de um passado integralmente conservado?"
(ibidem, p. 191)
Ficamos ansiosos pela resposta. Recorrendo mais uma vez ao
mito de Noé (o primeiro defensor do Património da Humanidade?...), Lacroix
responde: "Deveremos então pôr na arca o que civiliza, o que torna mais
humano, salvaguardando ao mesmo tempo a identidade e enraizando..." (as
reticências são dele).
Parecendo uma resposta muito pequena para a enormidade da
questão, ela deixa em aberto tudo o que nos compete fazer e que está contido
nas reticências. É onde teremos de voltar muitas vezes.
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RESPONDENDO A UMA COLEGA:
Concordando com quase tudo o que escreveu, permita-me
discordar da conclusão. Se é verdade que há muita falta de conhecimento, grande
parte do que foi ( e por vezes continua a ser...) vandalismo resulta de opções de gente que sabe muito bem
o que faz. Então por que o faz?
Há muitas razões que consideram justificativas dos seus
actos, de que destaco: vantagens económicas, legítimas no quadro das sociedades
liberais; e razões ideológicas, que defendem o primado do presente sobre o
passado em nome do progresso, do desenvolvimento, de necessidades sociais, etc.
Nesta perspectva, não basta deplorar o vandalismo, ou
criticá-lo com argumentos moralistas: ao denunciá-lo, é preciso desmontar as
razões.
É uma opinião, teremos de continuar a debater
isto...
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